sexta-feira, outubro 29, 2004
Uma questão sonora
Se se falasse nesta casa, ou se se cantassem, sons murmurados para soarem a seres de outro mundo ou segredos, relatos breves de como foi o dia, volteios monótonos de um CD a ter como companhia uma voz desafinada...
Não seria tarde para ser embalado sem abrigo de um colo.
Para minimizar os estragos, desencontro as palavras que imaginei e colo-as repetidas em post-it´s à porta do frigorífico. Daquelas nossas.
Nesta casa há um silêncio ou um eco do meu e eu sou exíguo como o meu quarto e os baldios para onde a minha janela se debruça são baldios, estéreis e sem interesse.
Será necessário sair de casa para escrever?
Se leio distraio-me (de mim). Se escrever não falo (de mim). Se falar não consigo.
Ainda tendo chá na chávena a fumegar, sinto-me bem, longe de casa, na direcção de nada. Ouvem-se sons.
Nunca tirei tanto prazer da fruição de uma actividade solitária e cá fora há esperança: sons que tecem melodias e, como tal, histórias a despontarem a cada sorvo que se inspira.
E há os mesmos baldios vistos de uma outra perspectiva. E o mundo é sujo. Tal como as aberrações a desfilar na televisão enquanto faço a cama de lavado ou violo sobrescritos vindos de longe. Tal como a janela denuncia.
Aqui o ar é móvel, porque o vento o faz dançar e os acontecimentos sem orquestração sucedem na vida dos transeuntes.
Volto a casa, dado que o dia se encerra e sitiado por quatro paredes sei a campainha muda, mesmo que oiça passos junto ao elevador. Adormeço abraçado à almofada, apostando que lá estará quando acordar e isso nem sempre significa solidão.
Volvidos vários dias de Outono num marasmo de.cama em manhãs de nevoeiro denso, o quarto torna-se pequeno para o volume pesado da minha consciência, por falta de força ou por haver muito que não se escreve.
Roo as unhas focando um ponto na parede branca e saio sem destino, mas de encontro marcado.
Há muito (tempo) que não se escreve, ou seja, o ritual tem sido olhar os dias e vê-los passar.
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2 comentários:
Fiquei enternecido(um homem também pode enternecer-se)!
Fixei a frase "Não seria tarde para ser embalado sem abrigo de um colo."
Todos precisamos de alguém.
Espero que tudo corra pelo melhor.
Muito bonito.
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