segunda-feira, dezembro 13, 2004

Difusão das Artes do Espectáculo

Acabo de receber "Politicas Culturais e Descentralização: Impactos do Programa Difusão das Artes do Espectáculo", do Observatório das Actividades Culturais, obra coordenada por Maria de Lourdes Lima dos Santos, e executada por Rui Telmo Gomes e José Soares Neves com a colaboração de um alargado corpo de investigadores. O livro, no seu anacronismo, torna-se precioso. Em primeiro lugar porque o próprio Observatório das Actividades Culturais foi um organismo criado pela politica de Carrilho para a Cultura e neste tomo dispõe-se a avaliar o que de melhor, no domínio das artes do espectáculo, o IPAE (hoje IA) realizou. Só que, no estilhaçar da politica cultural executada pelo Ministério da Cultura chefiado por Carrilho - estilhaçar, acredito que bem intencionado, que começou ainda na gestão socialista da cultura pós-Carrilho - o projecto, iniciado em 1999 foi extinto em 2003, depois de uma interrupção no segundo semestre de 2002. Estamos a falar de uma prática cultural cujo desmantelamento quase efectivo no dominio da programação, da relação com as autarquias, do estabelecimento de regras e da contratualização, que favorecia desde logo a emergência de parceiros e de co-responsabilidades, é avaliada por um organismo que, mesmo com problemas de funcionamento acrescido, continua a sobreviver. Ou seja, desactivada a politica cultural da difusão de espectáculos, sobrevive o organismo criado para estudar o impacto cultural das politicas e dos programas culturais onde este projecto se insere. E por isso, presume-se, que nos deixará campo aberto para aferirmos nós mesmos, dos impactos da extinção do mesmo. O que não deixa de ser importante para que se compreenda que quando dizemos que a presença de Manuel Maria Carrilho foi o único momento revelador de uma politica cultural que possa ser entendida como tal, na sua relação entre o sistemático e o casuístico e episódico, estamos a falar disto, de uma actividade cultural que de facto, mudou. É neste entrincamento entre acção e reflexão, que se constituiu o legado de Carrilho para a politica cultural portuguesa. Defendê-lo, mesmo que ingrato, não só pela idiossincrasia do próprio personagem, também pela duplicidade da atitude do seu próprio partido face a este contributo, é um gesto indeclinável para quem quer que tenha sofrido com a indefinição crónica das nossas políticas culturais.

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