segunda-feira, janeiro 17, 2005

Indicadores de cumplicidade são órgãos pares

Já há muito tempo que era para contar esta história. Era uma tarde que anunciava o fim de todas aquelas tardes. Não acredito em premonições, mas foram as vozes que tal anunciaram, os segredos que seguiam por atalhos e se ampliavam por fim, até serem tão grandes que já não eram segredos. Eram os olhos. Para a deixar escrita, a história. Ela deitada sobre o peito dele. Mas só para as minhas mãos não tinha coragem de a citar, texto dramático ecoa, ecoa, até que fura. E não era Janeiro. Tinha de haver um motivo. E era com entoação que falavam. E esperavam que os silêncios acabassem. Quase que os ouço contarem os tempos. E era uma vez uma história que estava prestes a acabar. Ela dizia qualquer coisa sobre o coração, porque o ouvia bater foi o que (se) perguntou. O dele. Porque o seu batia longe dali, já tinha apanhado um avião, fazia uns dias em direcção a uma capital europeia. Consegues adivinhar o meu estado de espírito pelo que ouves? É só um orgão musculado o que é que ele diz das pessoas. Estava calor e a cama estava feita. Contar esta história é como descolar pastilha elástica do sapato, raspando-o num degrau de estação de metro. Os braços já não cresciam mais na direcção um do outro e a pele era um subterfúgio para fugir. O que é que há depois? Depois do prazer ou depois do meu coração parar quando tu fores? Os olhos ou os segredos já só se encontravam no tecto. O apartamento era tão vazio. Como as formigas, cumprimentavam-se e afastavam-se em direcções opostas. Não sejas parvo, não caio no teu ardil (pausa) o meu ouvido junto ao teu peito é uma máquina da verdade (sorri). E é que depois fico vazia como o apartamento. E o telefone tocou. Era tarde de verão ou primavera, porque tenho de ser coerente. E ele levantou-se para atender. E demorou porque era a mãe. O motivo é mesmo esse, invejo o apartamento, o ar de cortar à faca. E quando voltou a cama estava feita, mas vazia.

2 comentários:

JPN disse...

"O que é que há depois? Depois do prazer ou depois do meu coração parar quando tu fores?"
:)

zenith disse...

A cama estava vazia e bem neste momento nos rendemos conta da sublimidade da solidao que esta presente em forma de sombra no quarto. Seja num canto, indiscerno para as nossas retinas, ou entao atravez dos escombrios dos nossos sentimentos. Adorei o texto. Me deito na cama com minha sombra.