Putanheiros

Não sou muito adepto de conversas sobre gajos e gajas. Há certas pessoas com quem o gosto de fazer, como por exemplo com o Orlando, quando desce à cidade. Mas isso é porque na verdade não falamos de gajos e de gajas, sim dos nossos últimos vinte anos atravessados por uma noite rezada, comungada e apostulada entre o Ritz Club, o Lontra, as Noites Longas, o Cinearte, o Jamaica e o B.Leza. Quando falamos de gajos e gajas sobe-nos a liberdade e a solidão à boca e ficamos ali a tracejar arabescos de uma boémia que sempre se alimentou de um infatigável e aonde é que vamos agora?. Que nos levou longe, longe e tão perto. Basta olhar para o Orlando e para mim para percebermos que nunca falaremos de gajas e de gajos de forma convincente. Posso chamá-lo de vacão, ele a mim de filho da mãe, mas no último momento um olhar mais atento desarma-nos, insistimos em sermos doces e delicados um pouco mais, em desistirmos do esquema que quase nos atraiçoava durante toda a nocturna diáspora . Nem que seja para cobrirmos a noite que resta de piropos, de indecências, ou de pragas. Somos dois putanheiros. Putanheiros é palavra que devo usar com toda a reserva, e só a emprego porque foi um outro grande amigo que a recomendou, e num sentido que acho admirável. Segundo ele putanheiros são os gajos, e as gajas, que também as há putanheiras, que antes e depois de deitarem fora o caroço e saborearem a cereja, olham o horizonte e num instante de delícia exclamam: "-Puta Vida!".