Foi nessa altura que eu saboreei as cerejas escondidas na sua face. Disse duas ou três frases antes de descer em direcção a Tarbes, onde nos voltámos a encontrar e onde eventualmente terá duplicado ou mesmo triplicado a sua exígua conversação. Chamava-se Milene, tinha um pequeno estúdio onde escrevia poemas misturados com guache e tintas de cores raras, do tecto para o chão escorria um arco-íris como nunca vi e administrava os prédios rústicos que o seu avô lhe deixara e fazia tudo isso enquanto me comia como se eu fosse um morango silvestre. Aliás, só hoje posso desvendar o mistério dquela paisagem de morangos e cerejas que vou transportando de casa em casa sem nunca lhe conseguir dar uma parede que seja: não é uma natureza morta, vive em mim como nunca nada vivificou. Disse-me um dia alguém, ou aprendemos o que é a liberdade com uma mulher ou nunca a conquistaremos de facto. Milene ensinou-me a amar e a ser livre e eu pensava, sempre pensei, nunca a esquecerei.
Uma coisa é não esquecer, outra é lembrar, reconhecer. Nem dei por ela quando me cruzei com ela ontem ao dobrar a Praça D. Pedro V e ao enfiar pela Rua do Carmo.
- Belmundo! - Ouvi, reconhecendo aquela voz antiga, fechada a sete chaves. Era ela, Milene, pensei hoje enquanto despertávamos com o frio daquela manhã magnífica sobre os Pirinéus, há muitos anos atrás.
Imagem retirada de Le Temps des Cerises
quarta-feira, fevereiro 23, 2005
O Tempo das Cerejas
Acordei hoje com o frio daquela manhã magnífica sobre os Pirinéus, há muitos anos atrás. Despertar naquela altura ainda fazia parte de um sonho maior. Abri os braços, rasgando a massa de ar. Eu não sabia os nomes milenários da vegetação frondosa e, para ser sincero, desafiando o oxigénio minguante, o meu primeiro desejo foi um cigarro. Tinhamos parado o 2 CV junto do abrigo, onde pernoitáramos. A subir, numa bicicleta todo o terreno, pedalando ritmadamente, uma rapariga francesa com sardas que sabiam a cerejas, apercebi-me depois. Passou por mim com ar esgaseado, as faces escarlate. Parou três metros à frente. Desmontou. Chamava-se Milene. Eu naquela altura era bem mais magro e tinha uns ares de Belmondo que detestava mas que hoje daria tudo para retomar. Talvez tenha sido isso que a fez apear, uma versão lusitana de Pedro, o Louco. Avançou para mim, petrificado pelo meu sonho.
Foi nessa altura que eu saboreei as cerejas escondidas na sua face. Disse duas ou três frases antes de descer em direcção a Tarbes, onde nos voltámos a encontrar e onde eventualmente terá duplicado ou mesmo triplicado a sua exígua conversação. Chamava-se Milene, tinha um pequeno estúdio onde escrevia poemas misturados com guache e tintas de cores raras, do tecto para o chão escorria um arco-íris como nunca vi e administrava os prédios rústicos que o seu avô lhe deixara e fazia tudo isso enquanto me comia como se eu fosse um morango silvestre. Aliás, só hoje posso desvendar o mistério dquela paisagem de morangos e cerejas que vou transportando de casa em casa sem nunca lhe conseguir dar uma parede que seja: não é uma natureza morta, vive em mim como nunca nada vivificou. Disse-me um dia alguém, ou aprendemos o que é a liberdade com uma mulher ou nunca a conquistaremos de facto. Milene ensinou-me a amar e a ser livre e eu pensava, sempre pensei, nunca a esquecerei.
Uma coisa é não esquecer, outra é lembrar, reconhecer. Nem dei por ela quando me cruzei com ela ontem ao dobrar a Praça D. Pedro V e ao enfiar pela Rua do Carmo.
- Belmundo! - Ouvi, reconhecendo aquela voz antiga, fechada a sete chaves. Era ela, Milene, pensei hoje enquanto despertávamos com o frio daquela manhã magnífica sobre os Pirinéus, há muitos anos atrás.
Imagem retirada de Le Temps des Cerises
Foi nessa altura que eu saboreei as cerejas escondidas na sua face. Disse duas ou três frases antes de descer em direcção a Tarbes, onde nos voltámos a encontrar e onde eventualmente terá duplicado ou mesmo triplicado a sua exígua conversação. Chamava-se Milene, tinha um pequeno estúdio onde escrevia poemas misturados com guache e tintas de cores raras, do tecto para o chão escorria um arco-íris como nunca vi e administrava os prédios rústicos que o seu avô lhe deixara e fazia tudo isso enquanto me comia como se eu fosse um morango silvestre. Aliás, só hoje posso desvendar o mistério dquela paisagem de morangos e cerejas que vou transportando de casa em casa sem nunca lhe conseguir dar uma parede que seja: não é uma natureza morta, vive em mim como nunca nada vivificou. Disse-me um dia alguém, ou aprendemos o que é a liberdade com uma mulher ou nunca a conquistaremos de facto. Milene ensinou-me a amar e a ser livre e eu pensava, sempre pensei, nunca a esquecerei.
Uma coisa é não esquecer, outra é lembrar, reconhecer. Nem dei por ela quando me cruzei com ela ontem ao dobrar a Praça D. Pedro V e ao enfiar pela Rua do Carmo.
- Belmundo! - Ouvi, reconhecendo aquela voz antiga, fechada a sete chaves. Era ela, Milene, pensei hoje enquanto despertávamos com o frio daquela manhã magnífica sobre os Pirinéus, há muitos anos atrás.
Imagem retirada de Le Temps des Cerises
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3 comentários:
Lindo lindo lindo
http://letempsdescerises.blogspot.com
:)
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