sábado, fevereiro 19, 2005

Perturba ção

Respirar a sombra viva. Abrir mão da mão aberta. Consecutiva. Dar-te. No olhar que o corpo tem, dar-te e receber-te. Transformar em vida a vida que em mim acabou. Acordei com esse inadiável nas minhas mãos quentes de medo. Caim e Abel. Os anos de tudo são anos de um vazio sobreposto, camada por camada. Até que parece que é impossível soltar as mãos, abrir o fogo que as fecha. Porque já houve fogo nesta vida, não houve? Foi breve, frágil, um repente, mas houve. Não poderíamos viver com esta angústia diante do nada em que transformamos continua, repetida e laboriosamente os nossos dias se não houvesse, no longe da memória impressa, cravada, uma ideia de labareda, de fogaréu, o fogo. É a angústia de uma ideia de liberdade que perturba.

2 comentários:

Anónimo disse...

Talvez a perturbação venha apenas do "medo de existir" como diz o José Gil. Não nos atrevemos a inscrever nem no público, nem no privado. Estaremos condenados a beber a nossa sombra, a respirá-la num limbo em que só o próprio para si mesmo existe? É preciso ousar para ser.A memória de uma liberdade é apenas memória. O acto de existir obriga a uma presentificação e inscrição permanentes.

Anónimo disse...

Belo, jpn. Belo e tão triste.