sexta-feira, março 04, 2005
O lado de fora da cidade
Já não estou aqui, mas naquela janela virada para o rio. É principio de dia, levanta-se a luz sobre o tejo, sobre a ponte Vasco da Gama. Os barcos lá em baixo. O Panteão. Agora apetece-me conhecer uma cidade matinal. Aquela que desce de Alfama até ao rio. Andei um ano a ver o sol cair sobre Lisboa, um entardecer magnífico sobre a ponte 25 de Abril. Deixarei de a ver, deixarei de ver aquele Cristo com braços abertos. O Carmo. Todo o dorso de uma Lisboa antiga que descai da Mouraria até ao Martim Moniz. A minha primeira memória do Martim Moniz é antiquissima. Por alguma razão o meu pai ficou com os três homens da casa. Levou-nos a jantar fora. Eu nessa altura já me perdia, romanticamente, nos romances de Somerset Maughan. No restaurante um jovem casal francês. Ele de barba loura, no melhor protótipo de estrangeiro que poderia arranjar. Ela com a face lisa, pálida, não destoava do quadro. Eu, sorvia-os, para mim eram personagens de Maughan. Escrevi aliás um pequeno texto teatral sobre essa história que chegou a ser publicado. É a minha Lisboa. Como me dizia alguém, viajo demais entremuros da cidade, está na hora de passar para o lado de lá da fronteira. A verdade é que cultivo um pequeno segredo, descobri hoje, ao almoçar com um amigo. Sempre morei em sitios de onde se via o lado de fora da cidade. Sempre morei dentro da cidade com os olhos postos no de lá da cidade.