sexta-feira, março 11, 2005
Secretaria de Estado da Igualdade
Vejo aqui a história de duas pedrinhas de gelo. E lembro-me de imediato de uma situação que aconteceu há umas três semanas. Estava eu a subir a Rua do Alecrim, quando um homem cai aparatosamente embatendo com a cabeça no chão de alcatrão. Tinha-se agarrado ao pistalete verde que protege os peões e, ou porque um pé lhe faltou, ou porque tropeçou, acabou por rodopiar sobre si mesmo caindo de chofre no pavimento. Levanto-o e com a ajuda de uma rapariga que entretanto também parara, sentamo-lo na umbreira de pedra de uma porta. No sobrolho um enorme lanho, a necessitar de cozedura. Para além de escoriações diversas na mão. O homem, caboverdiano de uns cinquenta e poucos anos está inquieto. Levanta-se, cambaleia, torna-se a sentar. Vou buscar uma garrafa de água ao café da esquina, enquanto a rapariga telefona para o 112. Quando percebe que chamámos a ambulância fica agitado. Eles não me podem fazer mal, pois não?, pergunta, com ar aflito. Sou legalizado, há mais de dezassete anos, tenho cartões. Abre a carteira e mostra-me, orgulhoso, o cartão da segurança social e dos impostos, exclamando, Tudo em dia!. Havia de repetir ainda mais algumas vezes esta ideia, enquanto se levantava e sentava. Tranquilizei-o. Disse-lhe que ninguém o obrigaria a ir para o Hospital. A mesma ideia iria ser apresentada pelo socorrista do 112 que o aconselhou no entanto a levar pontos. O modo tranquilo e afável como ele lhe explicou as coisas tranquilizou o nosso homem que anuiu a entrar no pronto-socorro. Já eu ía de novo a subir a rua, sou assaltado por uma súbita tristeza. Aquele homem vivia há mais de dessazete anos acossado, com medo de não-ser-um-entre-iguais-aqui-nesta-terra-de-merda.