Tratado sobre a Ausência

ou eu a fazer de contas que sou outro Deveria talvez assumir a sua inexistência na minha vida, pensou Germano atravessando a praça 8 de maio. Tinha escrito dois ou três textos mais violentos na sua coluna diária do Jornal do Mondego, queria mudar de estação. E se ela inexiste de facto como assim eu quero e devo crer, nada me impede de sair por aí à procura de. Subia as escadas que levavam ao Quebra Costas. Não disse à procura de gajas, pareceu-lhe um pouco despropositado. Além disso não há ninguém, machos ou fêmeas, que ao ler a expressão à procura de, não tire logo as suas conclusões: gajas. Ele não era um predador mas era um fala-barato. Germano era um gajo honesto ou pelo menos, ambicionava a honestidade. Percebeu logo que o problema não era preencher-se. Era esvaziar-se. Era dessa natureza o trabalho que lhe iria ocupar os dias próximos. E se assim era, era forçoso reconhecer que ela ainda existia. Ou que só existia ela. Tanto assim seria que passar por uma esplanada cheia de gajas provocava-lhe, automaticamente, azia . Não, ela ainda está aqui comigo. Lembro-me , está mas não é para estar. O que não lhe deixava muito espaço de manobra. Não devia pensar nela porque pensá-la era trazê-la de volta e ela não quer vir. Haveríamos de ter leis que prevenissem que um gajo pudesse pensar numa moça que não quer ser pensada por ele. E nem falo de pensamentos libidinosos. A simples invocação. A menos que seja uma gaja pública como a Sharon Stone. Estamos ausentes. Ou melhor, queria estar ausente. Começou a desejá-la tão intensamente que percebeu, tinha mais uma vez estragado tudo. Já não era aquela moça lindissima que o tinha levado uma vez a um rodízio de emoções e afectos. Era o seu construto de sempre. Uma rapariga talvez meio sereia, talvez meio princesa, talvez meio muda. Metade estrela, metade virada para dentro. Começou logo ali a sentir saudades dela. Sentiu-lhe vontade da sua voz, dos seus olhos. Dos seus dedos esguios. Delirou. Dizia para si mesmo, só quero abraçá-la, só quero estreitá-la nos seus braços. Ele sabia que era mentira, mas continuou a mentir, a delirar. A trazê-la de volta.