quinta-feira, maio 19, 2005

Para implodir um prédio são necessárias muitas reuniões

A porta fechou-se. A porta do prédio, pesada com vidros altos, foscos, escuros, que fizeram a noite mais noite. Olhei para trás através do vidro. Dobrou a esquina logo a seguir. A porta tinha-se fechado entre mim e ele, segundos antes. Agora já não estava ali. Ele tinha atalhado "Está frio, vamos?". Eu abreviei através do olhar e das mãos enfiadas entre o cinto e as calças, já que não tinha bolsos. Pensei que quando a porta se fechasse, implodiria. Que inundaria o hall do edifício depois de transbordar, que subiria as escadas até ao 6º andar para ter tempo para chorar tudo e secar as lágrimas antes de entrar em casa. Não aconteceu nada. Continuei impávida, a captar a escuridão. Em passos seguros, entrei no elevador. Meti-me na cama, tive alguma dificuldade em adormecer. Nem mais nem menos que num dia em que acontecem muitas coisas. A grandiosidade do passado dos outros tem em nós aquele efeito dominó: alguém o empurrou, cai na razão proporcional ao estrondo da queda do alguém feito cair por outro ainda; brevemente, faremos cair outro alguém que esteja de pé há, pelo menos, 5 minutos. Cheguei até hoje de manhã intacta, acodei cedo com uma ligeira, mas real vontade de sair e apanhar sol. Assim espero a implosão, ardente e silenciosamente como o fim de um capítulo. Enquanto não cair bambolear-me-ei na vertigem da queda. Assisti há pouco tempo, num acesso de zapping, a parte de um documentário sobre implosões de edifícios. Ri muito e sozinha quando disseram "a implosão de um edifício é algo que demorou muitos dias a programar, requereu muitos cálculos. Foram necessárias muitas reuniões": não impludo por isso, burocracia interior.

1 comentário:

maresia disse...

às vezes antes de implodirmos, precisamos de explodir-nos, num brain-storm com a vida. muitas reuniões com o nosso lado de fora.