quarta-feira, julho 06, 2005

Aurora dos Paus

Nunca falei aqui da minha avó Aurora. A minha avó Aurora tinha um carrapito na cabeça. Nele escondia uns longos cabelos brancos entrelaçados a negro. Uma vez, era manhazinha, descia as escadas e nas traseiras da casa vejo-a com os cabelos todos soltos. Vinham-lhe até ao colo do rabo, grandes, quase adolescentes. Na altura pensei que ela era uma bruxa. Não sosseguei enquanto não a vi, com destreza, a fazer o rodopiar da trança até ao toque final do carrapito. Quando ia a Caldelas, nas férias grandes, passava muito tempo com ela. Vestida sempre de negro, do seu avental caiam notas verdes, generosas, resgatadas ao saco das gorjetas da minha tia Arminda, que dava duches no Baneário Termal em Caldelas. Contava-me histórias, tenho tanta pena de que não me lembre de nenhuma. Quase que nem me lembro da sua voz. Estava a ficar um pouco surda, faltavam-lhe alguns dentes, não muitos. Aurora Nogueira, depois Aurora dos Paus, tinha sido uma mulher muito bonita na sua juventude. Tomava conta das crianças na casa da paróquia, iniciativa do Padre João, figura de relevo na terra. Aurora era muito devota a Deus a quem aprendera a confiar-se acima de todas as coisas. Não tardou por isso a pedir ao padre para lhe levar o filho mais velho para o Seminário. Os pobres de então aguentavam a miséria sonhando que um deles escaparia ao circulo vicioso. E foi assim com o meu pai.

1 comentário:

Carla de Elsinore disse...

tmabém tive uma avó aurora, de jesus.
ainda é assim com os pobres.
bjs