segunda-feira, julho 04, 2005

Meandros

Um não de um tamanho de um sim. Como os nãos “Não, deixa” ou “Não, prefiro assim”. O sim a forrar um não “Sim, está bem”, regularmente sob a forma de um “Pronto, está bem. Mas tens a certeza? Sim, claro.” Ou “Sim, concerteza”. Simplesmente “Ok”. Comes um gelado? Dormiste bem? Vens comigo? Estás feliz? Dás-me um beijo? Importas-te que não vá contigo? Gostaste? De certeza? «Afirmar que só existe escolha entre o ser e o não-ser, entre o sim e o não, entre qualquer coisa e o seu contrário, é demasiado simples. A linguagem é uma armadilha. Alguns “nãos” querem dizer “sim”, em particular no caso das mulheres- é preciso ser virgem ou lógico para o ignorar. “Assassino” ou “inocente”, a escolha é redutora. Porque não “artista”? Isto parece-vos abstracto? Então diga-me como é que classifica o gladiador que, após um combate leal, dá o golpe de misericórdia ao seu adversário caído por terra, quando os polegares se viram para baixo. Como é que classifica aquele que acende a pira onde se vai lançar, na Índia, a jovem viúva que decide, em conformidade com as tradições, não sobreviver ao seu marido? (...) Saia das alternativas simplistas. Reformule a questão que a justiça lhe coloca “Culpado, inocente, ou então o quê?”. Descobrir a terceira via, ultrapassar a alternativa, supõe uma elevação do grau de consciência.(...)» Jean-Baptiste Botul, Landru, precursor do feminismo, Lisboa, Cavalo de Ferro, 2005 Furtivamente caçado do folheto da peça Agatha Christie, pelo Teatro Praga, em cena na Culturgest. Corremos atrás da interpretação, como leitores, como espectadores, como interlocutores? O autor quis com aquilo dizer alguma coisa, aquela coisa, foi aquilo que o autor quis dizer. A certa altura temos esse trunfo. E depois? Se for como nos policiais em que o “culpado” é sempre a menos provável das criaturas, ou pelo menos aquela que não tinha um álibi pior do que o das outras personagens. A interpretação efectiva é vital para a digestão da obra?

1 comentário:

mfc disse...

A expressão tem que ser contextualizada, sob pena de perder o seu significado.
Temos p. ex.os diminutivos com significado de aumentativo : está quentinho, está um friozinho.