domingo, julho 03, 2005
Quando um Guarda-Costeiro ouve as respostas de um Operário Viajado
Na minha sala com os binóculos assestados, ensaio o meu novo ofício. Não há barco que se assome ao estuário do Tejo que não tenha o meu registo. Aos tantos de tantos entrou na barra um navio vermelho que deixava um rasto de espuma, como se sulcasse o mar. Escrevo o nome do barco se o vislumbro. Depois assino. Algum dia alguém quererá saber, para lá do movimento das marés, o rasto dos navios que ficam fumo no alto mar. Abri a janela porque estava calor. Da Voz do Operário ouço uma voz humana amplificada. É um político do PCP numa reunião para vencer a Direita, o Carmona mais o Santana. Ele fala alto mas quem mo traz é o microfone. Começa por dizer que não se esqueceu da democracia. Do 25 de Abril. Fala das suas raizes operárias. Que é preciso vencer o capital. Talvez porque faça calor, ou porque não houvesse oradores seguintes, ou por nenhuma razão em especial, inicia um discurso sobre a China, país que acabou de visitar. Louva tudo a este país. O progresso, o desenvolvimento tecnológico, a capacidade de atrair as grandes multinacionais. Há uma hesitação na sua voz, percebo que ficou à minha espera. Ele entendeu que eu não ouvi bem. Repetiu, porque estão lá todas as grandes empresas. E continua o basbaque pelo grande capital. Os assistentes, de quem não ouço senão as palmas, não se manifestam. Talvez para eles isto também seja incongruente. Mas ele percebe disto. A seguir faz uma pausa e lança a palavra chave: a aliança em Lisboa contra o grande capital. Pego na caneta e assento, em baixo do navio vermelho, o registo deste acontecimento: E la nave va.
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