sábado, setembro 10, 2005
Hermenêutica dos sujeitos
A linguagem é performativa, disseram-no Austin e Peirce, reinvindicamo-lo nós todos os dias quando nos estruturamos como gente através do linguarejar. Por isso este escrevinhar aqui na blogosfera é constituitivo e por isso também acredito que o mundo vai ficar melhor depois deste arremedo de subjectividade. A linguagem é performativa mas não esgota a performance do mundo. Há mais acção do mundo do que o falar do mesmo mundo. Apercebo-me de que reiteramos vezes demais um equívoco: o sentido do que dizemos nem sempre vai na direcção do que afirmamos, pelo contrário, muitas ocasiões há que vai em contra mão.
Senão seria fácil demais a vida. Diriamos, somos felizes, e seriamos felizes. É claro que a expressão de si acrescenta uma luminosidade própria aos individuos. Digo sou feliz e há um instante de luz que cada um de nós deve respeitar. Nem há como a generosidade dramatúrgica de abrirmos a interpretação do outro pela sua própria expressão de si. Mas não se esgota aí a hermenêutica do sujeito.
Lembro-me de há uns anos estar numa formação sobre Bioenergia, um trabalho fascinante com um psicoterapeuta italiano. Fomos todos falando das nossas vidas. Da forma subjectiva como nos recolocávamos no mundo. Drama daqui, drama de acolá, não havia sangue. Éramos todos gente feliz com lágrimas e a geometria cuidava de nós, das nossas vidas. Até que uma participante fala. Começa por dizer que não compreende. Que somos todos muito tristes. Que não entende esta focalização nas nossas mães, nos nossos pais. Que não entendia, que ela sempre tinha sido muito feliz. E começa a falar da relação com a mãe e com o pai. Confesso que foi um dos momentos mais incomodativos a que assisti. Na frase a seguir a dizer que era muito feliz, começam a escorrer-lhe duas grossas lágrimas pela cara. A certa altura deixou de conseguir falar, entrou num choro convulso. Não vou revelar a história mas ela continha momentos de uma autêntica interiorização do trágico na vida quotidiana daquela família.
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