terça-feira, novembro 15, 2005

Não digo a ninguém

era uma vez uma avião que deveria ter apanhado. o taxista cabo-verdiano cinquentão e circunspecto, olhava o meu ar desapontado pelo rabo do olho do espelho retrovisor. ouvia-se música clássica que hermetizava o ambiente de dentro do automóvel do resto do trânsito. o meu olhar seguia, vazio, o limpa pára-brisas na sua dança estonteante enquanto metade de mim esquadrinhava o pacífico e carismático ar de estranho insular e a outra metade de mim patinhava na poça de lama da auto-comiseração. "perdeu o avião foi?"- abreviando o silêncio. "ainda bem que o rádio toca música clássica." "não fique triste menina. quem quer que seja que existe para além de nós dá-nos sinais que requerem outras leituras." estarreci, pela sua certeza e despudor em como o que tinha para me oferecer me podia ajudar. sorri ao de leve. e por ter sido este estranho personagem o portador do lugar mais que comum, aceitei humildemente e não digo a ninguém, mas acreditei. um avião em que devia ter entrado num dia lastimoso de novembro em que me despedi de alguém muito querido, que não era o meu namorado. todas as pessoas a pensar que sim, que iria para longe e que deixava cá o namorado, talvez para não o voltar a ver, talvez uma fuga de um inferno de vida, ou quem sabe se para estudar num país estrangeiro. as pessoas pensam muito e fantasiam e fazem histórias de simples gestos. eu sou assim pelo menos e desculpo os outros. e não. não limpei as lágrimas e segui em frente, empurrando decidida 25 quilos de bagagem naquelas geringonças semelhantes aos carrinhos das compras do supermercado. não estava atrasada e perdi o avião. agora vou tentar não sair de casa. porquanto já me ter despedido de todos. um deles deu-me uma fotografia por não ser pessoa de palavras. o próximo não o perco.

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