sexta-feira, fevereiro 17, 2006

O relógio do rosto

Desço o Caracol da Graça até ao Martim Moniz e em vez de virar para o Rossio e apanhar a boleia do Elevador de Santa Justa, sigo para os Restauradores, irei no Elevador da Glória. Sento-me, ainda há muitos lugares. Um grupo de franceses chega. Uma mulher também, só. Está quase a ser a minha personagem de eleição. Mas aparece um homem velho. Casaco de Camurça castanho. Bengala preta, trabalhada. O que me agarra é a sua face. A boca aberta como um peixe furibundo de asfixia. Há dor, uma dor dissimulada na rotina do esforço quotidiano de subir até ao Eléctrico. Deixo-o. Há as cores da mulher a chamarem-me a atenção. Os franceses a errarem o mapa da cidade. Sobre o elevador entretanto. Quando o eléctrico chega cá acima suprprreendo-me com a expressão do velho homem. Fechou a boca. Há um esgar de contentamento, de relaxamento na sua face. Olho para ele e imagino que naquele momento ele deve estar a ter um pensamento bom. Não sei qual é. É um pensamento prazenteiro, sinto-o. Irradia nele uma fugaz paz. Nele e em mim, mirone, testemunha deste percurso que vai da dor ao suave prazer.

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