quinta-feira, abril 27, 2006
Manhã para duas vozes
Uma voz
Não tenho notícias do lado de lá do mundo.
Outra voz
Escava mais fundo. Continua a escavar.
Uma voz
Eu estava a falar em linguagem metafórica.
Outra voz
Eu também.
[A Uma Voz destapou-se e deitou-se na esteira. O sol do meio dia faz tanto pela verdade humana como uma Bíblia, mesmo se online]
Outra voz
Pôe creme.
Uma voz
Já ponho.
Outra voz
É sempre já ponho. Nunca é ponho já.
Uma voz
Fazes-me lembrar a minha mãe.
Outra voz
Diz qualquer coisa essencial...
Uma voz
Esssencial?
Outra voz
Inteligente
Uma voz
Digo que o sol está quente e que me energiza.
Outra voz
Voilá!
[Mudança de cenário. Um deserto]
Uma voz
É imenso o deserto.
Outra voz
O deserto somos nós.
Uma voz
Eu estava a falar em linguagem metafórica.
Outra voz
Eu também.
[As vozes, quando aos pares, também se calam. Silêncio. ]
Uma voz
Uma manhã há-de sempre lembrar-me a infância.
Outra voz
Aterroriza-me saber que já foste menino.
Uma voz
Eu nunca fui menino.
Outra voz
E a tua infância nesta manhã?
Uma voz
Posso lembrar-me da manhã que nunca vivi.
Outra voz
Podes?
Uma Voz
É uma possibilidade.
Outra voz
E como é que é a manhã que não viveste.
Uma voz
Eu não disse que não tinha vivido. Eu disse que se me lembrasse dela poderia ser por não a ter vivido. Foi isso que eu disse.
Outra voz
És um picuínhas com as tuas precisões.
Uma voz
Não me metes medo com as tuas classificações.
Outra voz
Cansas-me.
Uma voz
Tens aí um saco cheio de palavras-não.
Outra voz
Sim?
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1 comentário:
Bravo.
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