sábado, abril 29, 2006

Mónicas

Sempre que me assomo à janela alembras-me. As janelas estão mortas, sujas com os dejectos dos pombos. Não mais se ouvem vozes chorando, gritando. Há apenas o barulho manso dos pombos. Não me impressionam as prisões-fantasmas. Aprecio até a forma como elas se esvaziam de tudo, principalmente da sua petulância. Tenho uma má relação com todos os sistemas prisionais do mundo. Parecem-me uma caricatura piedosa da impotência e da impossibilidade humana em descriminalizarmos a nossa existência. Antes de inventarmos as togas, os tribunais, as pedras de talião, os próprios mandamentos, já todos nós cumpríamos pena. O mundo é uma prisão de alta segurança da qual não só é impossível escapar vivo como é bem provável que depois de tanto entertenimento nos escape a razão porque erramos no mundo. Poderemos ter alguma liberdade no regimento, nas fardas, no fast-food, mas nem tanto assim. Se analisarmos bem as coisas, nem tanto assim. Por isso as prisões, e não terá sido necessário ler Vigiar e Punir para o entender, não chegam a ser um mal necessário. São o resultado de, por julgarmos que há um deus que construiu o mundo à sua imagem e semelhança, termos construído sistemas à imagem e semelhança dos deuses que acreditamos. Se a nossa errância no cosmos é resultado de uma pena, de uma condenação, porque não repetir o modelo nas nossas sociedades, pensamos nós? Sempre que me assomo à janela lembro-me da liberdade. Não da liberdade ontológica. Lembro-me da liberdade física, da tua, da nossa. Não há metafisica nenhuma quando me assomo à minha janela virada a sul.

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