domingo, abril 23, 2006
Ter uma família grande
Fim de dia. Cansados os dois. Fomos até Montemor aos anos de um amigo meu. Quando viémos nem pensei em fazer jantar, enfiámo-nos logo na Mourisca. Ainda levámos o tabuleiro de xadrez portátil que eu lhe dei para uma partida mas ao fim de um bocado desistimos. Tinhamos sono os dois. Preparei-o para dormir. A certa altura lembrei-me de começar a planear com ele a ideia de irmos acampar.
- Queres ir acampar com o pai?
- Quero. A mãe também vai?
- Vamos nós os dois.
- Eu vou uma vez com o pai mas depois quero que a mãe venha connosco. Quero ir com a minha família.
- Não tenho nada contra. Mas sabes que a mãe não gosta muito de acampar.
Por esta altura já o pijama estava vestido. Deitei-o e perguntei-lhe:
- Gostavas que o pai e a mãe namorassem?
Não disse nada, anuiu com a cabeça como se tivesse pudor do seu próprio desejo. Lembrei-me de ti, quando me disseste que os teus pais te contavam histórias que te ajudavam a compreender as coisas. Eu venho pressentindo nele uma certa predisposição para entender o bom clima entre mim e a sua mãe como um sinal de esperança para um desejado reatamento. Disse-lhe:
- Vou-te contar uma história. Queres?
Abana a cabeça afirmativamente.
"- Era uma vez um homem chamado J. e uma mulher chamada I.
- Não, com pessoas não.
- Com pessoas não?
- Não. Com leões.
- Ok. Seja com leões. Era uma vez um leão chamado J. e uma leoa chamada I. Conheceram-se, apaixonaram-se e um dia nasceu um leãozinho que eles adoravam. Só que o leão e a leoa passavam muito tempo a rugir um com o outro. E às vezes era o próprio leãozinho que lhes dizia, calem-se, não quero que gritem. Ou desatava mesmo a chorar. E como eles gostavam muito de viver felizes e em paz, começaram a pensar que seria melhor separarem-se, cada um ir tratar da sua vida em lugares diferentes. E assim fizeram. Não foi dificil. Como eram muito amigos e sobretudo gostavam de viver em paz uns com os outros quase nunca discutiram. E separaram-se a rir.
- A rir?
- A rir. E o leaozinho teve também de se adaptar. Havia uns dias durante o mês que ía para casa do pai leão. Nos outros ficava a viver em casa da mãe leoa. Ele gostou muito da ideia. Embora não tivesse tanto tempo com o pai e não tivesse com os dois juntos, tinha as suas vantagens. Por um lado tinha a mãe só para si, não tinha que a dividir com mais ninguém. Por outro lado sempre que ía ter com o pai era dia de passarem pela loja de presentes baratos e comprar um brinquedo novo. Só que um dia chego a esta história mais uma pessoa. O pai enamorara-se. E o leãozinho começou a ficar preocupado. E começou a ter um desejo, que não contava a ninguém, porque tinha medo que pensassem que ele era muito egoísta: queria que a mãe e o pai voltassem a namorar. Mas o que é que ele havia de fazer!!! Por um lado ele sabia que a A. fazia muito feliz o seu pai e como ele também gostava muito do seu pai acabava por gostar que o seu pai namorasse com ela. Mas por outro lado ele também sabia que se a sua mãe e o seu pai namorassem não tinha de estar a dividir o mundo em dois, ora com um, ora com outro."
Aí ele interrompeu a história.
- Não é nada. Eu nem me importo que o pai namore com a A. e tenha bebés porque assim eu posso ter irmãos e já não preciso de brincar sózinho quando venho para casa do pai. Eu não gosto de brincar sózinho. Eu gostava de ter uma família grande.
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2 comentários:
...
pois... a sabedoria infantil...
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