domingo, maio 21, 2006

Mercearia dos dias

Lisboa nasce quando acordo e abro os olhos de contentes. Ouso até pensar que estou um ser humano mais apessoado. Quero dizer, doiem-me menos os males de espirito. Eram sete horas, um pouco menos, quando cheguei a casa e deste dia comecei por saudar a cidade que desce até ao rio. Há quarenta e quatro anos que cá ando, tenho a partir de hoje, e por mais trezentos e sessenta e cinco dias, o tempo necessário para saborear a magia das capicuas, e não quis mais do que começar o dia por aqui. Por esta cidade. Esta cidade, pelo menos deste sitio de onde a vejo, tem a delicadeza de formas e de linhas, contornos, do corpo do meu amor. Ás vezes olho-a e vejo-a a ela, outras vezes mergulho no seu corpo tranquilo e lembro-me de Lisboa. Ocorrem-me sitios, lugares, as ruas dos ofícios, os becos, as escadinhas, este caminhar até à linha da água. Hoje foi um dia particularmente feliz e sinto-me leve por ter descoberto o meu segredo. Quero viver ao pé do meu amor, do meu filho e ter alguns olhos de gente boa a dizerem-me, por vezes em silêncio, que sentem por bem a minha companhia. Nada mais preciso na minha relação com a vida. É claro que não é só com a vida que me dou. Todos os dias, mais carranca menos carranca, também saúdo a morte que há em mim. Que preparo a minha conversa com o devir. Não a eternidade nem a imortalidade. Só quero que alguém, em algum dia, ame o que escrevo. Que consiga descobrir a possível qualidade daquilo que escrevo e dela expurge as limitações e as insuficiências. Na minha conversa com a morte, nada mais a declarar. O resto do meu dia passo-a saborear a vida, os dias, a luz. O silêncio que por aqui vai.

3 comentários:

Luís disse...

Já voltei, pá. Obrigado

Anónimo disse...

não é preciso muito para amar o que escreves. escreves muito bem, apesar da minha opinião não ser de grande valor em termos literários. desde que tropecei nos teus blogues não deixo de os visitar e ler todos os dias e há tantos dias em que queria mais, ler mais.

origami disse...

Na idade que não tem reverso, o rio sabe a pão com manteiga e a sandes de delícias do mar, dança mornas em cima de uma bicicleta, bebe cervejas em bancos de jardim, vê o nascer do sol esplanando-se na cidade e corre para chegar a tempo à beira mar. Tudo, diz que, é para dar os parabéns. :)