sábado, junho 17, 2006
O riso dela
Alguém que me lê já se zangou a sério com o seu amor? Ou acha pelo menos possível dois amores de uma só vida tomarem-se de fúrias, de uma febre amarelecida pelo cinismo? Se assim não for, passem à frente. Não iriam compreender nada de nada. É que eu hoje zanguei-me furiosamente com o meu amor. Eu não sabia que era possível odiar assim num amor que vezes de mais aspira à totalidade. Claro que sei do ódio. Eu escrevo, gente. As minhas histórias são sobre pessoas que se desamam até ao osso. Ou de outras que se ligam por um fio de linha poderosíssimo, o ódio. Aliás, não são minhas as histórias que escrevo. E muitas vezes, das melhores vezes, nem as escrevo. Zanguei-me furiosamente com o meu amor. Como se pode sentir desprezo por um amor que se ama com todas as silabas?, pergunta-se por aqui, sei. E pode-se. Um homem ou uma mulher podem até desprezar-se a si próprios, como não poderiam desprezar um amor que é o outro mesmificado em nós? Subi a rua, descendo a um inferno que adivinhava. Cheguei a casa e, antes de chorar expulsando a minha amargura, ainda tive tempo de imitar todos os duros dos filmes série b que já vi. Felizmente são precisos dois para que o ódio se instale, para que ocupe os espaços e os lugares da nossa vida. O meu amor velava por mim. Ouviu com atenção as minhas palavras secas, adivinhou nelas uma ternura que eu mesmo não saberia prever, e no fim gargalhou. Estás a rir?, perguntei ainda. E ela ria, ria, ria. Aprendi pelo menos uma lição: não vale a pena zangarmo-nos com quem não é capaz de nos levar a sério.
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