segunda-feira, junho 12, 2006

O trabalho dela

"tenho dias em que acredito que a minha função é ser digna desse sofrimento, ser digna das pessoas que me procuram e da dor que me revelam, e, nesses dias, sem sinais nem diagnósticos, sei que o meu trabalho é ser, eu própria, o tratamento. mas, raramente, o meu trabalho é outra coisa, terrível, insuportável: é quando me aparece um homem novo e bonito que traz a morte encostada a ele – e ele ainda não sabe -, a morte a respirar com ele, a falar por ele, decidida e implacável. e enquanto esse homem não me faz perguntas eu só consigo ficar a olhá-lo para lá dessa hora, a vê-lo no dia em que ele souber quão breve vai deixar a vida, a mulher, os filhos pequenos, o seu corpo. quando é assim, não há raciocínio, não há jogo, a respiração suspende-se, o coração enraivece-se e, por momentos, trabalhar é ter medo, é esquecer esse homem e as outras pessoas que me procuram, e julgar ver, por cima do seu ombro, a morte a piscar-me o olho – a mim, ao meu homem, aos meus filhos -, como quem diz, já volto. " Linha do Norte , M de Campanhã

4 comentários:

Anónimo disse...

depois de ler este post fica um nó na garganta que teima em não sair e um sentimento de admiração por haver quem faça "o trabalho dela" com tanto coração.

Gluupp

blimunda disse...

ai

Mónica (em Campanhã) disse...

obrigada. é uma honra respirarmos o mesmo ar.

Anónimo disse...

A honra é toda minha...

Um tchim tchim ao ar que respiramos..Y viiiivaaa la vida...