O caminho das Portelinhas

Amanhã partimos os dois para o Minho. Dei por mim a possuir-me de uma enorme ansiedade. Quero ir passar uma noite com ele no pinhal, acampando. Partilhar com ele o cheiro do pinhal, da esteva, da urze. Iremos ao Rio Homem. Daremos longos passeios a pé. Mostrar-lhe-ei o caminho para as Portelinhas. Do quintal apontarei o Monte S.Pedro a que o avô dele tanto gostava de subir, matando saudades das suas caminhadas na Suiça, quando fizera o Seminário. Iremos à Piscina e desta vez pagarei o meu bilhete e não fintarei o fiscal, como nos meus tempos de criança. Mostrar-lhe-ei a sombra fresca das grandes árvores que circundam o lugar das Termas de Caldelas, onde o tempo se esquece de ser tempo. Há um lugar aonde irei sózinho. Ao cemitério da aldeia, onde está enterrado o corpo do meu pai. O cemitério nunca foi o lugar onde me encontrei com ele, com o que dele me resta, o que em mim habita, mas por um provincianismo que me toca sempre quando chego àquele Minho antigo, hei-de, nalgum momento, ir colocar umas flores na campa de meu pai, para que alguém possa espiar e contar, naquelas intermináveis conversas de aldeia, que os seus filhos cuidam da sua alma. Lembro-me de todo o ritual que era chegar a Caldelas há vinte, trinta anos. Quando chegávamos ao lugar da Fonte, ao passarmos no cemitério, o meu pai dizia, ali está enterrado o avô João. Lembro-me que não havia viagem nenhuma que não acabasse assim. Uma vez passei lá a dormir e fiz uma birra tamanha que tiveram de voltar atrás.

Há um lugar aonde não irei, nem sózinho. Ao cemitério da aldeia, onde está enterrado o corpo do meu pai. Perdi o meu pai do céu anos antes de me levarem o meu pai na terra. E ele sempre foi cúmplice disso. É por essas e por outras que enquanto eu for vivo o meu pai mora comigo. O corpo, aquele corpo que eu gostava tanto de abraçar, de beijar, de provocar na sua dureza, já não me pertence. É das larvas, dos vermes. Desse trabalho que a Natureza faz para se reapossar do que é seu, por direito próprio.