segunda-feira, agosto 21, 2006

Os Felizes da Guerra

No Mar Salgado, FNV diz que " A Paz parece beneficiar de uma estranha inversão da prioridade lexical sobre a Guerra. Ninguém faz "manifestações pela Guerra", ninguém se reclama de "belicista"; não se fazem "conversações de Guerra", não existe o Nobel da Guerra nem existem "forças de manutenção" da Guerra. Dir-se-ia que ela, a Guerra, só existe nas nossas cabeças."
É retórica, claro. Mas mesmo assim incorrecta. Houve manifestações para a entrada dos EUA na 2ª Guerra. Houve manifestações a favor da entrada da Europa na guerra contra a Sérvia. Na Bósnia. Houve manifestações de desafio e apelo à guerra em Belgrado. Houve manifestações de apoio à primeira intervenção no Iraque. Houve manifestações a pedir a intervenção dos EUA em Timor. No Médio Oriente pede-se guerra vezes demais. A Guerra das Caricaturas teve várias manifestações inflamadas queimando bandeiras, caricaturas ou simplesmente, fazendo arder ideias e muitas delas eram actos de guerra. A conferência dos Açores foi uma conferência de Guerra. Como o foram as videoconferências entre Clinton e Blair. Não haverá um prémio Nóbel mas houve o prémio Yalta.
As paradas militares fazem parte, indiscriminada e despudoradamente, do ritual dos regimes democráticos, monárquicos e ditatoriais. É conhecida a réplica de Miguel de Unamuno nas Cortes espanholas ao general Milan Astray, por lhe ter ouvido um grito necrófito a favor da guerra. Tal como pouca gente se reclama de pacifista, haverá pouca gente a dizer abertamente que é belicista. Também não é muito prático. E quase irrelevante. Se tivesse alguma importância aqueles inquéritos que a TWA distribui quando estamos a chegar a NY perguntavam-no, eles perguntam tudo, até o irrelevante. Mas mesmo assim há quem defenda um pensamento musculado eufemismo para se falar em belicismo e poder-se ser citado em todos os lugares. FNV não deve ter lido os editoriais de José Manuel Fernandes, Luis Delgado, Pacheco Pereira sobre as guerras que travámos por actos, palavras e omissões. Desconhece também , tal como eu, Helena Matos. Os jogos de guerra, as espadas, os magic com instruções de aniquilação do outro, fazem parte do quotidiano dos nossos filhos desde o desmame. As forças de manutenção da guerra estão há muito criadas e bem nutridas. FNV sabe-o, todos o sabemos. O que FNV parece desconhecer é o célebre caso português (que se não fizeram essa manifestação foi decerto por dificuldades de agenda já que gozar com o real dá pano para mangas; mesmo assim uma questão a confirmar aqui, ali e acolá)..
Há por isso muita gente a falar da guerra. Até, para lhe dar um ar mais deste mundo, a dar-lhe um ar mais teatral, mais lúdico. São jogos de linguagem. O teatro de guerra, os cenários, os actores e as personagens. O drama e principalmente a tragédia.
A guerra é uma tragédia FNV. É por isso que falamos tantas vezes na paz. Na paz que não temos, na paz que queremos ter, na paz onde queremos crescer. Na paz em que queremos crescer.

8 comentários:

FNV disse...

Caro JPN,
Um belo post , inspirado pela minha provocação meramente retórica que você compreendeu muito bem. Assim sim.

PS: confesso que temi o pior quando você me disse que ia "glosar" o meu texto.;)

Anónimo disse...

Maldito é o homem que doutro se fia.

zazie disse...

pois é... foi retórica. Isso já se sabia. este aqui também foi retórica.

zazie disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
zazie disse...

Penso que a demagogia parte do modo absoluto como se usa a palavra guerra quando se está a tratar de conflitos beligerantes. Os conflitos têm muitos modos de se travarem e nem todos implicam legitimar barbáries feitas por estupidez e com intenções estratégicas de balões de ensaio.

O que já se devia ter aprendido era isto. Que o par EUA/Israel só tem feito asneira atrás de asneira com a total impunidade.

Neste caso há quem reaja de forma descabelada por preconceitos em relação aos judeus.

E é apenas por esse motivo- de condição de excepção atribuída- que se contradizem e insistem em reforçar as posições atacando em bloco tudo o que mostre essa inconsequência.

Como previu o Bruno do Avatares estes "amores" às vezes podem ser muito cegos e, como ele também pressentiu logo de início:

"Para ser sincero, é minha opinião, decerto polémica, que o histórico anti-semitismo anti-judaico (assim como a experiência do holocausto) mais ajudam a compreender a ferocidade israelita do que o alinhamento preconceituoso (conceda-se) da esquerda ocidental."

É claro que isto do clube de esquerda não me diz nada. Não faço parte mas revejo-me sem problemas nas posições de uma direita conservadora, como a do Eduardo da Sexta Coluna, que pensa o mesmo.

O que é capaz de se tornar incómodo é a incapacidade de reconhecer a excepção atribuída por estarem judeus em causa.

Não faço ideia como seria se também entrasse em contradições por qualquer outro motivo mas creio que preferia admiti-lo a andar em zigzag.

Aconteceu algo idêntico com o Dragão, a propósito do modo como tratou os atentados de Londres e as escaramuças de França. Perguntei-lhe e ele disse logo que eu tinha razão. Que tinha embirração aos ingleses e por isso não valorizara o facto.

Gosto disso. É mais honesto. É impossível andar-se na blogosfera com ideia de travar debates teóricos quando se prefere a desonestidade.

Esta é aliás a grande mais valia deste modo de comunicação. Não nos ficamos por ler o que se escreve num dia e o oposto que se escreve noutro, sem possibilidade contraditório. Para isso existem os jornais com as suas vedetas.
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Quanto ao desejo de guerra, em abstracto, sem ser dentro do nosso país e com mobilizações para a sua defesa, muito sinceramente considero que pode ser o maior passo no abismo que o ser humano pode dar.

No dia em que saírem da blogosfera e das redacções dos jornais e vieram para a rua a insultar pacifistas como o andam a fazer há mais de um mês, aí sim, teríamos um retrocesso civilizacional.

Deve ser por este motivo que também os chateio. Há necessidades instintivas de repor equilíbrios

Mangueiradas de blindado de água seriam o melhor tratamento.

JPN disse...

Tocas num ponto verdadeiramente essencial, Zazie: a ideia de guerra é um conceito que permite, durante um determinado tempo, criar um clima de excepção que tende a suspender o exercício normal da vida, mesmo nas democracias, parececendo criar um quadro justificativo. Aliás, a produtividade da ideia de guerra ao terrorismo demonstrou-o: Guantanamo, transporte de suspeitos pela calada, violações de direito, etc, etc.

E subscrevo a parte final do teu comentário sobre o desejo de guerra.

JPN disse...

Bil, abraço.

JPN disse...

Obrigado FNV. Nada a temer.Como disse a Zazie, é por isso que gostamos da blogosfera.