terça-feira, janeiro 23, 2007

A angústia do jornalista diante de um título

Lembro-me de que quando fiz o estágio final do meu curso na SIC, assistia-se naquela altura a um crescente mal-estar dos jornalistas perante aquilo que começava a ser a sua caracterização: uma televisão comprometida com um projecto de excelência da informação e uma empresa de entertenimento apostada em ganhar a batalha do público não parecendo ter muitos limites nesse campo. A forma como resolviam esse mal-estar era mais ou menos o habitual nestas situações: balcanizaram-se entre os da informação e os da programação (dirigidos por uma mesma pessoa). E tanto era assim que, naquela altura (e o meu estágio durou, em 1994, apenas três meses) na redacção se cultivava um alheamento e desconhecimento sobre a programação da estação em que trabalhavam. Ocorre-me isso ao lembrar-me do caminho percorrido: num mundo onde a dinâmica empresarial é cada vez mais acentuada e entra pelo próprio trabalho informativo, aquilo a que recebemos como notícia, ou informação, é um produto para cujo processo de fabricação concorrem tanto os repórteres como aqueles que a editam e ou os que dirigem o chamado fecho do jornal. O que gera muitas vezes uma tensão - provavelmente não tão acentuada como aquela que relatei em relação ao meu estágio - a cartografar. Tanto os editores como os repórteres são, em regra, jornalistas. Não deixa por isso de ser curiosa esta frase da resposta que recebi do Provedor do Público quando lhe enviei os links dos dois posts em que referi o Público, e onde chamava a atenção, entre outras coisas, para a divergência entre título e corpo da notícia: "...a única coisa que lhe posso dizer neste momento é que os títulos não são elaborados pelos jornalistas, mas pelos editores e/ou director de fecho.". É claro que o provedor, na sua atenta e simpática resposta, queria dizer repórteres. Aquilo que me parece sintomático é que, sendo neste caso o provedor um jornalista, esta declaração dá conta de que esta ideia produz sentido e significado. E permite, por exemplo, entender com naturalidade que um jornalista defenda a qualidade do trabalho jornalistico efectuado num determinado caso (veja-se o post anterior), desvalorizando a forma como ele foi apresentado. Transforma-se por isso a argumentação e a contra-argumentação num diálogo de surdos. Ao falar de intoxicação informativa falo principalmente de uma enorme pressão social desenvolvida pela comunicação social como um todo, e onde se ligam muito mais facil e produtivamente os enunciados constituidos pela titulação dos vários produtos jornalisticos. Pressão não só sobre os leitores, também sobre o trabalho de informar, já que os jornalistas não vivem numa redoma informativa. Por outro lado quem argumenta sobre a justeza do trabalho jornalístico neste caso, naturalmente que argumenta referenciando-se aos trabalhos dos jornalistas que instintivamente reconhece (e donde, eventualmente, até excluirá, tal como o provedor do Público, o trabalho dos editores e dos responsáveis do fecho). Tudo isto se torna mais importante quando a relevância que o trabalho que os media escritos fazem na agitação das consciências é reduplicado na banca dos jornais (e há já programas de tv onde se dedica algum tempo a mostrar a cara dos jornais). Banca onde o que comunica é exactamente o trabalho desses não-jornalistas. Este é um problema a que, como leitor não posso dar nem solução, nem sugestões. Nem sei se esta angústia de um jornalista diante do título é uma questão resolúvel. Creio até que a permanente suspensão desta questão sobre o trabalho do repórter pode tensioná-lo positivamente. Mas isso sou eu, o da ciência positiva sobre todas as coisas em movimento.

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