quinta-feira, janeiro 25, 2007
A violência doméstica e o "incentivo ao voyuerismo"
A história tem passado por aí: uma equipa do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência), elaborou um inquérito destinado a avaliar a dimensão do consumo de drogas e os riscos que lhe estão associados e promoveu-o num universo de cem mil alunos, dos 12 aos 18 anos, de 860 escolas de todo o país. Este estudo repetia um outro feito em 2001, incluindo desta vez também questões sobre a violência doméstica. O vou devagar que tenho pressa, não terá sido o lema finalizador do trabalho que, face à necessidade de ser lançado ainda em Dezembro, acabou por não passar por alguns controlos de qualidade do mesmo. Entretanto uma escola do 3º Ciclo não aceitou a realização do mesmo e houve protestos de um pai junto do próprio IDT. Era o início de um processo que levou à retirada do famigerado inquérito.
A forma como tudo se passou foi tão exemplar e tão lesta que nem mereceria mais destaque não fosse uma pequena crónica de Ruben de Carvalho, na última do DN, vir lembrar-me que a iniciativa, o estudo, era ignóbil porque " é o incentivo ao voyeurismo" aqui sugerido, a par e passo com um comportamento de observador de intimidades que roça a espionagem policiesca, coerentemente acompanhado com o incentivo a julgamentos moralistas numa situação de natural carência de referentes inerente à idade".
Ora o pior que poderia acontecer é que uma abordagem mais infeliz, ou como tem sido referido pelo presidente do IDT, "mais crua e técnica" pudesse inibir os investigadores do IDT de se aproximarem de uma realidade, como a violência doméstica, que necessita de ser avaliada e estudada.
Esta história - e tudo hoje é uma estória - faz-me lembrar um caso passado comigo quando, no final de 80, trabalhei na Quinta da Calçada. Tinha estado, a pedido da psicóloga do ATL onde trabalhava como animador de expressão dramática, a fazer uma sessão de exploração com fantoches com o Rui, onde explorava aspectos relacionados com o seu problema de enurese. No final da sessão saímos para o pátio, estava um dia bonito, era o Dia Mundial da Árvore, e conversa puxa conversa, lá lhe explico que este dia serve para nos lembrarmos de como gostamos das árvores. O pequeno Rui, que tinha seis anos, pergunta-me:
- Como se fossem as nossas namoradas?
Eu sorrio, sem adivinhar o que por aí vem. Condescendo. E, incendeio:
- Se fosse a tua namorada o que lhe dizias?
Era uma árvore de pequeno porte. Ramificada em duas penadas. Antes de eu poder fazer alguma coisa ele salta para cima da árvore, sentando-se no veio do meio e grita, cavalgando, com uma expressão de ódio que transfigurou toda a sua meninice:
- Sua puta...vá, fode-me...ganda puta...
Fê-lo com tal violência que a fricção na árvore o arranhou nas virilhas.
Fiquei em estado de choque, claro. Lá tentei pôr a minha cara mais natural do mundo mas não sosseguei enquanto não fui falar com a psicóloga. Viemos a descobrir depois que o miúdo vivia numa barraca com a mãe, que se prostituia, e que, no seu pequeno quarto, ouvia os diálogos desses encontros.
Por isso, o meu apelo ao primeiro ministro, ao ministro da saúde, ao presidente do IDT, aos próprios especialistas do IDT: façam felizes as perguntas mas não deixem de ir lá, aos sitios e aos lugares onde descobrimos aquilo que torna a nossa vida um pouco mais sombria.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
7 comentários:
JPN, qual é o teu emprego? És assessor ou jornalista? Onde?
assino por baixo, jpn
O problema é meu, não conheço o inquérito. Mas entre o teu post e a "crónica" fico na dúvida: perguntavam às "crianças" (12 a 18 anos... pois...) sobre violência doméstica ou sobre as "quecas do papá"?
(já agora, as mães, por definição, são santas, quecas não são com elas...)
(já agora, a sério que já se escreve assim no antigamente respeitável DN? muito mal me fez ir passar o início do século para outras bandas...)
nem uma coisa nem outra. por isso falta-me o sitio para colocar na tua pergunta.
mas podes dizer o que fazes? é que pareces ter um conhecimento grande sobre estas duas profissões...
Paula e Paulo, entretenham-se um com o outro. Eu passo.
A experiência que relatas é arrepiante! De facto, só quem já participou nesse tipo de intervenção "no terreno" tem consciência da forma como as crianças apreendem os momentos em que lhes é negado a infância...
Enviar um comentário