segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Dar-te-ei um beijo

No outro dia encontrei-a. Era uma mulher a fazer-se. Uma mulher por dentro, uma mulher a crescer por fora. Não foi votar, não podia. Não tem identidade e as eleições, os referendos são actos cívicos de cidadãos cujo primeiro acto de existência é a conferição do nome. Ao princípio houve em mim aquele indicador de estranheza. Como quando há quase trinta anos descobri o meu irmão a beijar outro homem. Não me sinto estranho por estar estranho mas sinto a estranheza. É como um indicador para vigiar os meus gestos, os meus actos de fala. Consegui com todos, menos um: a despedida. Estava com uma amiga. Beijei-a, adeus. E a ela apertei-lhe a mão como se ela fosse um ele. Ela estendeu-me a mão, morta, e eu compreendi. E pensei, para a próxima beijo-te.

1 comentário:

Siona disse...

Em nome da minha amiga (outra que não foi votar, como a grande maioria de nós), um beijo também para ti!