domingo, fevereiro 11, 2007

O virar de uma página

Confesso que quando vi na sede de campanha do Sim as manifestações de festejo pela vitória, senti, como nunca antes tinha sentido, um atravessamento.Como se não houvesse nenhum verdadeiro motivo para estar exultante mesmo tendo, paradoxalmente, menos razões para estar triste. Naquele momento breve em que os gritos de vitória se assemelhavam a tantos outros gritos de vitória de uns contra outros, eu pensei como esta votação, e principalmente a vitória do sim à despenalização, nos implicava a todos como comunidade. Quando ia a caminho da minha assembleia de voto olhei o cartaz do não que me dizia que ainda estava a tempo de salvar muitas vidas e acelarei o passo, votando sim era exactamente esse o sentido do meu voto. Venceram os que defenderam o sim e também venceram os que defenderam o não. Seria absurdo que a regulação da interrupção voluntária da gravidez não contivesse resposta às melhores preocupações do movimento do não e nesse sentido aqueles que o defenderam deram um contributo cívico que irá influenciar o desenlace legislativo agora iniciado, e podem considerar-se também justamente vencedores. Não estivemos diante de um processo eleitoral em que há uns que perdem e outros que vencem. O melhor que pode resultar deste referendo - para além do virar da página em relação à atitude disciplicente face à realidade do intervenção voluntária da gravidez feita clandestinamente - é a emergência de uma consciencialização entre cidadãos não especialistas em relação à sexualidade, à igualdade entre homens e mulheres, à violência e abuso sexuais, à contracepção, ao planeamento familiar, ao apoio social à maternidade e à paternidade e essa é uma vitória de todos os que se empenharam politicamente neste referendo.
Tudo isso é verdade mas quando ouvi São José Lapa falar da grande emoção que tinha sentido ao olhar para trás e ver o que é que esta situação tinha significado ao longo dos anos para tanta gente que conhecia de perto, emocionei-me e percebi a alegria, o exulto, a própria festa. E fi-la também minha. Momentos depois José Socrátes diz que a intervenção voluntária da gravidez tinha deixado de ser crime e eu comecei a chorar de alegria.
É o virar de uma página, é o desmantelar de um troniquete moral injusto, cruel e desumano que pairava sobre a vida dos homens e das mulheres deste país.

11 comentários:

Mónica (em Campanhã) disse...

sabes, eu também gritei, embora por dentro (estava a trabalhar e recei um sms às 20.05) mas não foi "ganhamos!" que gritei, foi "acabou-se" e pensei, obrigada.

nunca como nos últimos dias me afligiu tanto o resultado de uma votação (voto sempre mas é-me sempre quase indiferente, tantas têm sido as desilusões): andava angustiada, como se fosse uma questão de vida ou de morte (talvez fosse). não foi uma vitória, foi um sinal.

Luís disse...

Um abraço, Joaquim

Filipe M. Reis disse...

pois foi, foi um sinal. R de Roger and out para a assembleia da república. aguarda-se resposta rápida (do choque tecnológico estamos conversados).

cbs disse...

como deves imaginar, não fiquei própriamente exultante, existe em torno de mim muita gente quase ofendida.

mas senti um peso enorme a sair-me de cima, nada já me conseguia justificar o "torniquete" injusto, como o denominas.

abraço

JPN disse...

abraços, Luís, M., CBS.

JPN disse...

obrigado, Filipe.

Anónimo disse...

Também chorei, para ser exacta os nervos foram tantos que não consegui dormir nadica. Parece que sai de uma batalha telurica. Ganhamos!
http://mulheresforadehoras.blogs.sapo.pt/

jamiroo disse...

este foi um primeiro passo. outros se seguirão. a luta continua!

um abraço

margarete disse...

tb me comovi, levo este post que, na minha opinião, diz tudo sobre ontem, hoje :)

sete e pico disse...

aquele abraço quinzolas e saudades de um jantarinho de amigos/as contigo a cozinhar ;)

Anónimo disse...

Agora falta a mudança: é pois urgente que se passe esta questão da alçada da Justiça para a da Saúde e de seguida para a da Educação. Só assim se caminhará no sentido do desenvolvimento civilizacional...