terça-feira, fevereiro 13, 2007

Manuel João Gomes

A propósito da sua morte, na segunda-feira dia 5 de Janeiro, em Coimbra, leio uma carta ao director de um leitor no Público, Rui Silvares, referindo o trabalho de divulgação teatral que Manuel João Gomes fez no Jornal Público . Procuro na net outras referências. Eu tenho, como a generalidade de todos nós que de alguma forma estamos ligados à comunidade teatral, uma grande admiração - e sentimento de gratidão - pelo seu trabalho. Encontrava-o sempre nos sítios mais diversos, dentro e fora dos circuitos teatrais deste país. Tanto no Trindade, no D. Maria, como em Beja, Aveiro ou Viseu, em Tondela, em salas de grupos de teatro profissionais e amadores.
Lembro-me que quando o conheci no Teatro da Trindade as primeiras impressões não foram totalmente agradáveis. Ele era de poucas falas e sempre fugídio e como as mais das vezes tinha um sorriso trespassado por um semblante levemente irónico, tudo isso me produziu um efeito inicial de desconfiança. Que era mútua, sabia-o. O facto de à altura estar na direcção do teatro como adjunto do Carlos Fragateiro não era a melhor condição para ganhar a confiança de um homem que tinha uma saudável e coerente aversão aos mecanismos de poder. Foi só quando, fortuitamente, me começou a encontrar por esse país adentro, comungando de um enorme entusiasmo pela manifestação teatral, que as nossas conversas se abriram.
Tenho aliás na memória um episódio que a certa altura me deu bem a medida da simplicidade, do despojamento e da militante convicção com que ele realizava o seu trabalho. Há já uns anos comecei um projecto na net a que chamei Escrita Teatral, e que pretendia ser (ou pretende, o projecto não está extinto) um portal dedicado à divulgação da nossa dramaturgia, dos nossos autores, dos textos. Havia uma secção em que gostaria de ter críticas de teatro sobre peças de autores portugueses. Uma das primeiras pessoas a quem falei do projecto foi o Manuel João Gomes. Convidei-o para escrever no site. Achei por bem elogiá-lo muito, engrandecê-lo, eu via-o assim, grande no seu apego pelo teatro, no seu voluntarismo, queria também que ele pudesse escrever críticas maiores. Eu era, diante de um Manuel João encolhendo-se sem saber como havia de dizer não, um pacóvio cibernauta impressionado com a mania das grandezas de espaço que rede nos permite. Ainda me lembro da sua resposta:
- Eu não escrevo textos maiores porque não tenho nada para dizer. - Perguntei-lhe se valia a pena continuar a insistir. Ele, de uma forma desarmante disse-me sempre que desejava o melhor para o site mas que nunca tinha sentido necessidade de escrever mais, que aquele era o formato ideal para a função que a si próprio se atribuia: informar motivando, motivar informando. Que tinha sido esse o compromisso que tinha tomado com o diário onde trabalhava, que não iria nunca fazer crítica de teatro no sentido mais fechado do termo. Que não o saberia fazer. Ele que já achava que tinha demasiado espaço para escrever. Era uma opção pessoal, e dentro dela é consensual o reconhecimento pelo importante serviço que realizou, dando-nos a conhecer um pouco mais da diversidade do nosso fazer teatral.
E a pouco e pouco fui-lhe ganhando estima e eu sentia, era mútua. Uma das últimas vezes em que o encontrei viémos desde Cacilhas até à Rua do Mundo (onde ele morava e eu trabalhava), com ele a falar-me da sua ligação ao teatro e à poesia, aos textos. Ele, na sua timidez quase desesperada, gostava de falar de teatro, sobre o teatro, e tinha uma memória prodigiosa. Quando passámos por casa dele apontou para o céu e disse-me que agora já sabia onde ele morava, que o podia visitar quando quisesse. Depois perdi-lhe o rasto. Um dia foi o Jaime Rocha que me contou da doença que o vitimava. Parecia quase impossível, aquela autêntica enciclopédia teatral estava a esvaziar-se rapidamente dos seus milhões de dados.
Referências (selecção):
-Manuel João Gomes Tradutor.
- Homenagem Breve, de Manuel Jorge Marmelo no Taratana;
- Manuel João Gomes, de Carlos Sousa de Almeida, no Sob(re) a pálpebra da página;
-MANUEL JOÃO GOMES.
- Manuel João Gomes, Imagens.
- Cena Aberta, da Cena Lusófona:
O espaço da crítica teatral nos principais jornais atingiu praticamente o grau zero. Manuel João Gomes foi, no “Público”, o último crítico da vida teatral portuguesa. Agora existe apenas alguma crítica em Lisboa, que escreve sobre alguns grupos de Lisboa e que, não ignorando que há mais Teatro no país, vão ao Porto apanhar “ares” duas ou três vezes por ano para disfarçar.

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