quinta-feira, março 01, 2007

A confissão

Quando eu era miudo havia uma altura em que eu deixava de ser aquela espécie de calimero feliz que cultivei por toda a minha vida: era quando o meu padrinho me convidava para almoçar. No final da refeição tinha uma tablete de chocolate debaixo da mesa. Os meus irmãos ficavam podres de inveja amarela. Eu ia ter conversas de adultos e voltava de lá ainda com uma tablete avantajada com avelâs inteiras. Tomei-lhe o gosto e pela vida fora aprendi a gostar de falar com os mais velhos. Não me esquecem as conversas no Grémio de Elvas com o sr. Miguens, companheiro de damas do meu avô. Ou as tardes à conversa com o meu tio Joca. Por razões que não contam estive vinte e tal anos afastado do contacto com o meu padrinho, até que há cerca de uns treze anos voltámos a encontrarmo-nos. Hoje, quando preciso de norte, telefono-lhe. São sempre conversas longas, e em que o passado traz algo que ainda não sabia. Ele foi colega de meu pai no externato. E desvendou-me enfim a história do encontro dos meus pais. O meu pai uma vez foi fazer uns sermões para o colégio em Vila Viçosa onde a minha mãe estudava para professora. O meu pai era um grande orador. Consta que o Cardeal Patriarca o mandava por esses altares adentro distribuindo laudes e sermões. Os de Vila Viçosa deviam ter sido muito inspirados. Porque aquela alentejana, que viria a ser minha mãe, logo ali se tomou de vontades de o conhecer. E como? Era expedita a moça minha mãe. Quis-se então confessar, para com ele chegar à fala . Presume-se no entanto que se tenha confessado primeiro a minha mãe e depois o padre, meu pai. O que disseram está guardado na memória. Da confissão não reza qualquer registo. Da sua consequência, andamos cá quatro.

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