segunda-feira, março 05, 2007
Há algo de comovente no espectáculo de uma pessoa a reconstruir-se por dentro. Ou se calhar não há e sou eu que sou piegas diante de uma paisagem emocional que é minuciosamente lenta. A mim comovem-me estes pequenos actos de vontade em que um diz a si mesmo, anda, anda procurar a dança. A sonoridade de um mar ausente, senão na memória. Ou os marulhos, como encontrei aqui. Sou absolutamente incapaz de dizer algo inteligente sobre a vida. Fui educado, eduquei-me, a reconhecer um ser humano por atributos que dificilmente encontro no meu dia a dia. Nem em mim. Mais grave do que isso: fui educado e eduquei-me a reconhecer o mundo de uma forma cognitiva. Ora não há coisa mais radical e utópica do que o pensamento. O pensamento é de tal forma radical e utópico que, paradoxalmente, o desabrido exercício da crítica pode destruir o projecto ético que cada um de nós tende a ser. Sabêmo-lo bem demais. Chamamos ao contornar da razão pura, pragmatismo. É um chavão essencial. Qualquer um de nós que em vez do jornal aparentemente grátis saísse de casa folheando a Declaração dos Direitos Humanos enlouquecia antes de conseguir chegar a algum lado. É por isso que a auto-crítica é entendida como uma terapia do sujeito possuído pelo exercício crítico. O cada um entreter-se com os desvios da sua vida costuma ser eficaz treino da complacência, qualidade essencial para a vida quotidiana. Estava eu a dizer que não sei o que a inteligência possa ainda dizer à vida que levamos. Excepto isto: faz ainda todo o sentido tentarmos reconstituir-nos a partir da amabilidade.
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1 comentário:
Fomos assim educados. O primado da cognição, a apreensão pelos mecanismos do 'pensamento' do mundo, dos outros... de nós mesmos. (Julgamos nós!:-)) E depois vimos tanta coisa em nome da 'inteligência' que nos faz duvidar. Mesmo o 'ódio' de que falava recentemente(e já viu? raramente o Amor), proclama-se em nome dessa Razão (ou das nossas pequenas razões). Razão ou pensamento ou..., no fundo movidos pelo afecto. Ou pelas suas'perturbações'.
Somos educados (ou pelo menos há essa intenção) a pensar, a usar as capacidades cognitivas que temos, mas não há 'educação' dos afectos, 'educação sensível', onde está ela?
E é a sensibilidade, a emocionalidade que nos torna humanos, não é?! A comoção, a compaixão, a amizade, a...
Amabilidade, de ser amavél - acto de ser delicado; a reconstrução pela delicadeza que o mundo merece (e não há nenhum apesar - não se faz favores ao mundo), pela qualidade de amar que é o que (nos)pode construir realmente (no contrário: ódio ou indiferença, só há mesmo destruição, nem sequer a desconstrução que permite a construção).
Estes seus textos são estimulantes:-)
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