quinta-feira, março 08, 2007

Memórias de um Carteiro

Entrei para os Correios no dia cinco de abril de mil novecentos e oitenta e dois. Faz por isso este ano vinte e cinco anos que cá trabalho. As únicas interrupções foram nos três primeiros anos. Entrei para suprir as faltas provocadas pelas férias dos carteiros. Erámos os carteiros assalariados. O meu primeiro posto de trabalho foi no EPA, Entreposto Postal Aéreo, no Aeroporto da Portela. Lembro-me de muita coisa, principalmente do cinzento. Eram cinzentas as nossas batas. E as estantes separadoras do correio. As paredes também. Não eram cinzentas as sacas azuis do correio internacional mas como eram colocadas num lado da sala onde não havia luz logo que ali chegavam adquiriam o tom pardacento de tudo o mais. Os selos eram coloridos. Os selos dos postais, dos envelopes, as próprias tiras identificadoras do correio aéreo, eram a cor necessária para que o cinza dominasse o ambiente. Aprendi ali que uma vida pode carecer de tudo menos de uma janela. A janela dava para a pista, para o movimento dos aviões. E desciamos as escadas, íamos dar à própria pista. Aí podiamos conduzir uns carros eléctricos, que levavam os atrelados onde vinham os sacos de correios. Era o meu prazer supremo. Sentar-me num atrelado a tomar um galão e um pão com manteiga e imaginar os lugares para onde iria se me enfiasse dentro de uma saca de correio. É preciso tão pouco para saciar o espirito.

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