sexta-feira, março 30, 2007
O mundo perfeito
Havia um excesso de perfeição no meu primeiro mundo. As cores eram exactas. Os campos eram verdes na primavera, amareleciam no verão. A alfazema tinha a cor da alfazema. A clara e a gema. Uma era branca, a outra amarela. Era como a adivinha. Qual é a coisa, qual é ela? Tudo tinha a sua cor, o seu som, até, o seu prurido de existir. Havia coisas que existiam devagar. Outras que só se sabiam apressadas. Não era deus. Eram as coisas. O seu sussurro. Estimava da mesma forma o ciclone ou a chuva miudinha, que pintava o rebordo das poças onde eu afocinhava as botas ou os sapatos. Às vezes fecho os olhos para ver se, interiormente, ainda consigo tocar este meu mundo perfeito. E não, se vive, se ainda em mim resta, é o intangível que habita. Lembro-me que a minha primeira tristeza a sério foi porque não conseguia ter por verdadeira a perfeição do mundo, tal e qual como eu o sabia. Tinha crescido dentro de mim a consciência da doença do mundo. Era terrível mas era verdade. Al Gore é importante, mas antes dele já a catástrofe se tinha instalado na projecção de mundo que nos alimenta os dias. Aprendi a desesperançar sem desesperar. Sou filho da guerra fria. Não era isso que eu queria dizer. Nunca é isso que eu quero dizer. É por isso que eu gosto de um blogue. Um livro tem que justificar a importância ou a pertinência das coisas que afirma. É por isso que eu gosto de ter um blogue num lugar onde outras pessoas têm blogues. Os escritores de posts são muito menos importantes e pertinentes que os escritores de lombadas duras e grossas. Já me perdi outra vez. Apeteceu-me. Gosto de me perder. Gosto de ir e vir, de imaginar que sou onda, que sou projéctil, mas não, que me detenho. De perder o sentido das coisas que sinto. O mundo hoje é imperfeito. Injusto. Violento. Não tenho tribo, não tenho matilha. Tenho uma comunidade. É isso que me aproxima da primavera, a comunidade. Este mundo imperfeito. Estou próximo de uma alegria que vai durar sete dias e sete noites. Eu sei. É a imperfeição deste meu mundo que mo segreda.
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