domingo, março 11, 2007

Pintura abstracta

Faz um desenho. Vou fazer o pai, diz. Depois faz outro desenho.
- O que é isto?
- Isso não é nada.
-Não é nada?
- É pintura abstracta. E a pintura abstracta não é nada.
- Não é nada?
- Não. O pai não sabia? A minha professora sabe.
Peguei no desenho. Disse-lhe que era engraçado. Que me fazia imaginar uma bicicleta. Apontando outra zona, ele viu um autocarro. E eu um homem a correr. E ele um porco. Aquelas linhas multiplicavam-se em significados. Voltei-lhe a perguntar:
- Ainda achas que a pintura abstracta não é nada?
Fez uma careta, corrigindo a sua ideia. E depois comparámos com o meu retrato, concreto e definido. Por acaso nessa noite cruzamo-nos com Kwame, jovem pintor são-tomense que habita aqui na vila. E falámos sobre a pintura abstracta. Subimos a sua casa e o Kwame a certa altura pede-lhe para escolher um quadro, quer oferecer-lho. Escolhe uma pintura abstracta. E por mais que o pintor tenha dito que tinha pintado mulheres, quando saímos de casa, vamos atribuindo significados diferentes. As mulheres transformam-se em árvores, em torres, até em dedos da mão. Estamos deslumbrados com o jogo de possíveis do abstracto.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma exemplar 'estória' de educação pela arte. aprender (n)a vida no jogo com o afecto e a arte.
Tomara o CAI...