quarta-feira, março 07, 2007
Rua do Terreirinho, respirar a sombra viva
Agora vou falar como se estivesses viva. É um efeito literário. Não te preocupes. Nem eu estou louco nem tu terás de voltar de novo a esta choldra a que chamamos mundo. É um mero efeito literário dedicado a ti, que nos enchias de poesia os dias com a tua tertúlia de correio electrónico. Um aparte: no outro dia, ao descer a Rua Garret cruzei-me com a tua irmã Elena. E quando lhe disse que nos primeiros dias me consolava porque tudo tinha sido em nome de um glaciar magnífico que te empanturrou os olhos, ela, com razão, disse que não, que isso era fraco consolo, que o que te fazia especial era teres o mesmo deslumbre por um glaciar ou por uma golfada de ar. E não sei se foi por essa conversa que se me deu comigo quando comecei a descer a Rua de S. Tomé, não sei se foi pela tua persistência na poesia como explicação maior sobre tudo isto que nos sucede, pela primeira vez na vida comprendi o poeta quando ele escreveu, respirar a sombra viva. No rame-rame da minha vidinha por vezes assaltava-me essa ideia de uma forma quase fantasmagórica, como se as sombras irrompessem do chão e as respirássemos. Ou como uma metáfora que nos ligasse aos universos da sombra, da escuridão. E eu que nos últimos meses tenho por vezes feito a sombra que sou eu, descobri a ciência exacta que também pode existir num poema: a sombra viva somos nós. E eu não sei como explicar o quanto isso me reconciliou com o universo de ternura do qual não consigo dissociar a minha vida.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Como pode o sofrimento ser escrito assim com tanta beleza?! Não, não é o sofrimento que é belo mas a forma como as palavras revelam a saudade e, claro, um imenso amor. Provavelmente conheço-o da Comuna mas isso é o que menos importa, aliás não tem mesmo importância nenhuma. Vim um dia aqui parar já nem sei como e gosto de o ler e isso é que é importante, diria mesmo que é a única coisa importante. Não tenho mais grande coisa a dizer a não ser que continue a escrever,não há nada que nos alivie mais a dor.
" Pequena Elegia de Setembro
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
(...)"
(eugénio de andrade)
...
@-,-'-
Enviar um comentário