quarta-feira, março 28, 2007
Um pedaço de luz
Andava de mal com a vida. As coisas não lhe corriam muito bem. Tinha passado metade da sua vida fazendo uma correlação directa entre pensamento e acção. Se achava que aquele não era o seu sítio, ía-se embora. Estava por isso a salvo da mediocridade alheia, entretido com a sua, com os seus limites. Um dia caiu numa armadilha. Um amigo de armas foi para um lugar de chefia nos Correios e, por causa daquele vocação romântica para o género epistolar, chamou-o a ele como especialista da posta. Foram anos bons. Difíceis e trabalhosos, mas bons. Entretanto os anos passaram. As coisas mudaram muito na posta. Os correios quase tinham deixado de vender selos e ele viu-se encostado a um canto. Entretanto, sem dar conta disso, tinha perdido a capacidade de dizer não. Já nem escrevia cartas, como o seu pai sempre fazia, a reclamar disto ou daquilo. Ficava ali, a rebentar, de vazio, de incomodidade, de falta de festa. Aprendeu a odiar, como todos os outros. É o ódio que nos safa da ruína. Que nos vai corroendo o juízo, o decidir, o próprio pensamento. Um dia, estava a jantar com um amigo, falou-lhe dessa ferida mal suturada, este disse-lhe:
- Às vezes pagamos um preço demasiado caro por não queremos dizer não.
Sorriu. Um amigo é um pedaço de luz nos meus olhos, pensou.
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