quinta-feira, abril 12, 2007

Adeus, tristeza

Chega a ser enternecedor o espectáculo de uma tristeza a despedir-se de um corpo que despudoradamente habitou. Há pequenos gestos que marcam o adeus. O espírito é, à sua maneira, uma massa muscular, com os seus tendões, as suas cartilagens. E da mesma forma que a tristeza, quando se aloja, vem mansa e sorrateira, estagnando aqui, emperrando ali, até que um dia o espírito se surpreende com a sua própria imobilidade, da mesma forma, quando ela parte, vai envolta no maior secretismo, na maior quietude, naquele movimento quase inexistente que anima o ponteiro das horas no relógio de cuco. É por isso que é necessário algum convívio, alguma intimidade, com a sua condição, para sabermos reconhecer os sinais com que ela se despede. E apressarmos assim a sua partida. Porque a verdade é que - por mais que em dias de intensa alegria possamos vir a atribuir à tristeza um enorme potencial na criação dos nossos dias - a teremos sempre como a parte desirmanada desta nossa vida que levamos. Cada corpo tem a sua tristeza, esse cais onde atraca e onde todas as viagens parecem ter o seu fim. E o seu recomeço. É paradoxal, claro, precisarmos de alguma familiaridade com a nossa tristeza para que, quando ela começa a impacientar-se, a querer ir-se embora, a deixemos ir, sem hesitações. É a minha tristeza a ir-se embora, disseste, quando aquelas pequenas cartilagens do hemisfério central começaram a agitar-se, a entesar-se. Está a dizer-me adeus. É altura de lhe fazermos a lancheira, o mapa de viagens, a bússula para que possa um dia voltar, e a deixemos ir, na aventura delirante que é uma tristeza perder-se de um corpo que habitou.

3 comentários:

Anónimo disse...

Como se consegue, jpn?
Deixá-la partir acompanhada de poesia?

JPN disse...

O segredo conhece-lo muito bem: é que deste lado, ficam os amigos. Aqueles que cuidam de nós e nos protejem com o mesmo desvelo com que a tristeza nos guardou. :)

Mónica (em Campanhã) disse...

pergntas à tua se quer a minha com ela?