terça-feira, abril 17, 2007

Nobai

Chegaram as longas tardes do jardim do Adamastor. Apetece-me namorar, dar-me em tempo aos amigos, esgotar-me no deleite desta novela diária que é o rio pela milionésima vez. Cansar-me dele, da ponte sobre o rio, desde ali de Alcântara até ao Cristo-Rei. Aquilo que fica quando tudo nesta paisagem se esgotar: os barcos que navegam em sentido paralelo às margens do Tejo. Os cacilheiros são em si parte da beleza que isto é. São-no de outra maneira. Ligam as margens, existem enquanto emanação delas. São belos como belos são os telhados, os telhais, o casario que desce até à àgua. Enquanto tudo isso é, será, como foi, tal como aquele comboio agarrado aos seus carris, os barcos que atravessam o rio, desde a rocha de Conde D'Óbidos até ao desaguar no Oceano, já ali ao pé do segundo forte, são a marca do instável, do precário, do transitório, do provisório em que uma vida - mesmo uma mil vezes repetida neste horrizonte que quase se diria um quadro - se pode tornar. Esses barcos, tanto os que entram como os que saiem são, nesta tarde magnífica de um Abril quente, a verdadeira metáfora deste viver que aqui quase se diria tela, pintura. E de repente, através da minha sombra reflectida no papel, apercebo-me de uma pergunta sem resposta: o que é que fazemos aqui? O que fazemos e o que deveremos fazer? Sentarmo-nos, aquietarmo-nos na ilusória sensação de uma bidimensionalidade que nos fará fazer parte da tela? Ou darmos livre curso a um quase irrepremível desejo de sermos onda, quer dizer, movimento, acção e transformação?

1 comentário:

Anónimo disse...

A tua escrita é a uma tela, sabes acontece-me queres pular para esse lado espreitar o cinema sem pipocas, o caminho das Portelinhas o cheiro de gaz mais a donzela da vizinha. Ficar ali quieta e sossegada para não estragar nada, sem ambições de vírgula ou ponto, no máximo dos máximos, um numero minúsculo de uma nota de rodapé.
Maria João