terça-feira, abril 17, 2007
"Você está triste!"
Desde Novembro que - em algumas noites em que o espírito se reiventava na inquietação -o corpo não queria, ou não sabia ter, descanso. Não foram horas doces, as que se consumiram assim no tentar sossegar um espírito sobressaltado. Os chás de valeriana foram úteis e preciosos para todas as outras noites, não para essas. E, como se já não bastasse, as badaladas do relógio da Igreja da Graça e o de S. Vicente de Fora conluiam-se, no silêncio da noite insone, para aumentar a angústia pelo tempo de sono que já se tinha consumido. Numa das noites de finais de Março tive uma visitação assim. Já disse, não são doces as horas insones. Lembro-me que de manhã estava de rastos. Ao passar na farmácia do bairro ocorreu-me medir a tensão. Quinzeponto nove, disse-me o farmacêutico, está um pouco alta, que tensão costuma ter?, perguntou-me. Sabia lá eu, nunca a meço. Fui ao Centro de Saúde marcar uma consulta. Médica de família não, não pode ser, mas há as consultas de urgência da tarde, é só cá vir. O sistema é infalível: reproduz incomodidade, espera, infelicidade, dor, impossibilidade, mas ao mesmo tempo cria nichos de possibilidade, de conforto, de alívio. É só cá vir, garantem-me, com a mesma naturalidade que me dizem que só para Maio é que terei uma consulta da médica de família. Gosto da articulação conjugada das palavras médica-de-família. Sugerem-me viagens na memória. A ideia de família, o Dr. Silveira de Mafra, que vinha lá a casa e sabia as histórias de cada um de nós. Imagino por exemplo que quem inventou este nome sabia que o sistema precisava de mais toque humano. E uma palavra toca no espírito combalido e desaconchegado com a mesma profundidade com que uma mão entra na pele, no músculo tenso e dorido. Ao mesmo tempo que este sistema me assusta, as pessoas, os funcionários dos guichets, o pessoal de enfermagem, os médicos, tranquilizam-me. São incansáveis na sua condição lilliputiana. Tudo isto não será assim, mas é do modo que o vejo. Dantes uma visão pessimista sobre o sistema afastava-me das pessoas, da sua possibilidade. A única coisa que me acalmava eram as ideias, o braço ideológico, a demanda utópica. Hoje, o que ainda me vai tranquilizando são as pessoas, a possibilidade que ainda existe nelas, ou melhor, a possibilidade que ainda pode existir nelas. É nisto que me ocupo enquanto espero. Chegada a minha vez, ao fim de três horas de espera, sento-me na cadeira do consultório da médica. Mede-me a tensão. Está alta ainda. Prescreve-me uma data de análises. Pergunta-me desde há quanto tempo é que me acontecem estas insónias. Novembro, em Novembro aconteceu-me uma tristeza muito grande, disse-lhe eu talvez ao quarto ou quinto minuto da consulta. Ela começa a prescrever: um antihipertensor, um fármaco de tratamento das insónias e um antipressivo. Dra, o antidepressivo não preciso, digo-lhe. Responde-me, com autoridade, precisa, você está triste. Respondo-lhe, não, não estou triste, tive uma tristeza, disse eu, abreviando a explicação. Tinha dormido mal e além do mais não me apeteceu dizer-lhe que a tristeza era a matéria prima essencial para manter muitos de vós ligados a esta minha escrita meio saltarinheira e vagabunda. Ela aproveitou e impôs: - Você está triste! Não a contrariei. Quando cheguei à farmácia aviei só os dois primeiros medicamentos. E sorri ao pensar no absurdo de tudo isto. Uma das vantagens de acreditarmos nas pessoas é não nos entristecermos tanto com aquelas que parecem falar não pela sua própria voz, mas pelo som metálico, impositivo, e autoritário de um pai qualquer a que por convenção simplificadora chamamos sistema.
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13 comentários:
Boa e sábia decisão... Parece que um terço da população portuguesa anda movida a antidepressivos. Só no limite, só aceito o seu uso quando nem a luz se consegue ver e o escuro é tão grande que até o eu é já uma desagregação. De resto cada tristeza comporta lá dentro a hipótese do seu contrário, mesmo que o caminho de uma a outra pareça às vezes um labirinto.
~CC~
Fazes bem em não aceitar anti depressivos, se aceitares a intromissão vou-te transcrever algo diferente, seguramente mais eficaz, saberes de experiência feito:
1) Banhos de emersão, com sais, velas e musica ambiente. Leva livros de poesia para a banheira.
2) Idas nocturnas ao bar da praia de São Pedro, onde deves pedir chá verde com hortelã tem um efeito relaxante fantástico.
3) Durante a semana idas ao moinho ou à carruagem na Praia da Torre, junto ao forte de São Julião, a vista é soberba e tem excelentes somos naturais.
4) O moinho na Azóia também é soberbo, e tem um poder telúrico tremendo.
5) Se não tiveres inscrito, devias fazer natação, o contacto com o liquido amniótico da mãe terra alivia.
6) Se não conseguires dormir, vai a ervanária e pede comprimidos naturais para esse efeito, não tomes químicos criam dependência.
7) Bom para o sono também são aulas de Aikido, o corpo ficam tão moído que se dorme em menos de nada.
8) Já estamos na época dos morangos, são um fantástico anti depressivo.
9) Rodeia-te dos amigos e familiares conta-lhes até à exaustão o que te dá tristeza, falar é uma excelente catarse. Chora muito, até adormecer.
10) Pensa nas coisas que te deram prazer, vai até à tua infância e recria esses momentos.
11) Não te apaixones pela tristeza, é óptima fonte de criatividade, mas é uma amante exigente, e tem o péssimo costume de pedir o fundo do poço como prova de amor absoluto.
Boa sorte
Maria João
Às vezes, apetece desafiar a tristeza para um tango, daqueles a sério, e perguntar-lhe, olhos dentro dos olhos: "em que é que ficamos, miúda?". Um destes dias, passo pelos Alunos de Apolo, como quem não quer a coisa... Mas vê lá isso da tensão, amigo! Ab,j
Parei, uma vez mais, nas tuas palavras. Ter uma tristeza e não estar triste... essa diferença faz toda a diferença. Uma vez mais, identifiquei-me na tua escrita. Também eu me recuso a tomar antidepressivos. E olha que já me perguntam se não os quero há mais de dois anos. "Vá, vai ver que ajuda", dizem-me por vezes. Mas não ajuda. Eu não quero esquecer a minha tristeza à conta da sonolência e da falta de raciocínio. Eu quero que ela se vá embora por si, de cansaço. E não me considero uma pesoa triste nemmal casada com a vida. Há dias... e vivo muito na esperança de que os dias que hão-de vir sejam radiantes, cheios de sol.
Um beijo.
P.S. Acho muito sábio o conselho de não te apaixonares pela tristeza...´às vezes é muito tentador.
tanto a ~CC~ como a Maria João e o J têm muita razão em tudo o que dizem e subscrevo totalmente. mas mesmo que não nos apaixonemos pela tristeza ela tem o dom terrível de nos enredar nos seus braços fortes e resistentes e hélas! apaixonar-se por nós, com uma obsessão diabólica, com aquela paixão que magoa que nunca é amor, nem será nada de bom porque só nos faz mal... e aí quando já pouco resta de nós a não ser ela, depois de possuírmos-nos vezes sem conta, passa a respirar por nós, a controlar o sono por nós, o dia a dia por nós, até sermos apenas uma simples marioneta! aí... não há pôr-do-sol que nos anime, não há banhos de imersão, não há música, não há chás e também não há anti-depressivos! só há o tempo e a nossa força para a exorcizar de nós. e não sei se algum dia, mesmo que ela se vá embora, se consiga encontrar de novo, aquela serigaita de quem eu gostava tanto e que nunca me largava, que até era, confesso, algumas vezes inoportuna: a alegria! se a virem, digam-lhe que tenho muitas saudades dela.
12) e uma boa massagem ayuervédica, nada como uma boa massagem ayurvédica ;)
é isso mesmo, vejo-vos a todos sábios, ou da sabedoria que perfilho. banhos de poesia (quando o poliban não nos permite outros voos), passeios nocturnos, introspecções várias, e variadas. bicicleta ou aikido. esplanadar até ser noitinha em todos os lugares onde esta cidade se amantiza com o rio. chá de hortelã. a vida é um grande e enorme antidepressivo.
sweety, serigaita é um nome feliz para a alegria.:)
princesa das estrelas, faz mesmo toda a diferença. também acho muito sábia essa tua esperança no sol, nos dias radiantes. :)
Estranho este nosso mundo que não entende que quando há luz há sombra. Estranho mundo em que TODAS as pessoas têm que ser MUITO felizes SEMPRE. Em que se bane a tristeza, a lágrima, a (não tão) simples melancolia.... sem se perceber que com isso se bane o SENTIR...sem se perceber que é a emoção (emmovere) o que nos move... Sempre. (sorriso... )
... mas, por vezes, precisa-se simplesmente de dormir.
E não vivemos só de emoções. Felizmente.
Um abraço.
um anti-depre, once in a while, até é um bom amigo. mas isso sou eu. de resto, tudo bons conselhos.
e aquele abraço!
ela foi assim directa da mera menção da tua tristeza para a receita? acusou-te de estares triste?
...
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