segunda-feira, junho 18, 2007
Noites brancas
Sou dia e sou noite. Já me explicaram isto muito bem através dos astros. E repare-se, na possibilidade de interpretação do mundo não reconheço nenhuma ciência que se sobreponha à poesia. Ser-me-ía tão absurdo obedecer a uma carta astrológica como me obrigar à contingência de um poema, fosse ele qual fosse. Sou do dia e sou da noite. A minha fotosíntese diária não dispensa o sol, mas é de noite que a minha vida ganha a ânsia, o desejo de, a angústia do ímpar. É de noite que a minha vida ganha meridiano. Hoje já reconheço alguma sabedoria e bom senso nos preceitos antigos do avô Figueira, e já não me insurgo com o temos a morte toda para dormir. Quase nunca foi assim. Imagino o que seria sem as noites. O que seria a minha vida. Ela é como uma mulher, a minha vida. Ando há quarenta e cinco anos a arranjar coragem para lhe dizer que não sei amá-la de outro modo, assim, sorrateiramente. É de noite que estremeço, que tenho suores frios, que vou à janela ver se há alguma luz acesa e que penso, como é que dentro daquelas casas as pessoas sobrevivem à angústia?. E é uma insensatez a minha, claro. As pessoas dormem, as angústias também, envoltas no mesmo sono. As pessoas quando estão mergulhadas numa tristeza qualquer, quando não conseguem deixar de pertencer a uma determinada solidão, deveriam poder dispensar a noite dos seus dias. Aproximarmo-nos do entardecer com uma mágoa no peito é cruel. A natureza não deveria ser assim tão cruel para os que amam.
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2 comentários:
nao resisti a "roubar"
insonias...
Sublime.
"As pessoas dormem, as angústias também, envoltas no mesmo sono. As pessoas quando estão mergulhadas numa tristeza qualquer, quando não conseguem deixar de pertencer a uma determinada solidão, deveriam poder dispensar a noite dos seus dias. "Como gostaria que fosse verdade o que escreves...bem precisava.
bjinhos
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