quarta-feira, agosto 08, 2007

Offline

Offline com o Blogger, o Gmail, o Msn, o Respirar.
Online, numa rede entre o limoeiro e a laranjeira do quintal. Online com as manhãs cedo a caminho das bicas ou os trigos (os paposecos de Lisboa). Com os abraços fortes e com os desejos de uma raíz que me segure à terra, à vida. O escrever sustendo as palavras, esperando nelas, em suspensão o que sem ser assim, invizivelmente, não vislumbro. Online com as memórias familiares. Olho para a minha mãe e dá-me um aperto, começo cada vez mais a ver, no passo difícil, na lentidão do olhar, a avó do meu filho. As pessoas que amamos são o relógio do tempo de que dispomos. Tal como naqueles filmes sobre a mafia siciliana em que os actores vão envelhecendo à medida que vão passando pela caracterização, ontem percebi que os cabelos cinzentos da minha mãe estão mais cansados. Que a sua pele está mais flácida. Ontem, vinhamos no carro, contou-nos, ao filho e ao neto, que se o meu pai acordava a meio da noite, se punha a recitar os nomes de todos os gorgeios de pássaros que se ouviam na escuridão, na madrugada. E eu a meter-me com ela, tu davas-lhe um safanão e dizias para ele te deixar dormir, não, eu gostava muito de o ouvir, ele sabia todas as espécies de pássaros e reconhecia-as só com o ouvido. Ando aqui às voltas com as minhas raízes, é o que é. Aquele piparote de gente a descer a ladeira sou eu, há quase quarenta anos. Ele desafia-me e eu deixo-me ir também, empurrado pela descida, corremos os dois, só paramos quando pararmos, pai, será assim, só pararemos quando pararmos. Um ser humano normal, educado para a sensibilidade tanto como para a melancolia, deveria ter, uma vez por ano que fosse, o contacto com a memória do cheiro dos lençóis de linho a embalar-lhe o sono. Reaprendo a respirar assim. Online com os trabalhos manuais: das bolotas, das folhas vermelhas, dos seixos de cores raras, dos pequenos limões e maçãs vermelhas do quintal nascem formas para a cidade que ele quer construir. Vamos fazer a maquete primeiro. Depois pintamos, colamos e construímos a nossa cidade dos tesouros das férias.

12 comentários:

Anónimo disse...

Fantástico.

Anónimo disse...

E as férias são mesmo isso tudo! o parar e desligar. Um reset, temporário, na "Lei da sobrevivência" citadina que nos "obriga" a lutar por tudo aquilo que é indispensável, mas que abominamos.
Olhamos, outra vez, o passado, os sonhos, a verdade em nós mesmos... por isso há quem chegue de férias exausto e desejoso de recomeçar... "a insustentável leveza do ser".

nana disse...

sei tanto o que dizes...


um beijo.

Anónimo disse...

É tão bom poder estar online com tudo isso. Ter disponibilidade mental para estar com a família. Observar o tempo a passa. Perdemos muito do nosso tempo com coisas secundárias.

Bom offline!!

;)

Anónimo disse...

Sensível, humano, lindíssimo. Obrigada por este texto.

Mónica (em Campanhã) disse...

os nossos mais velhos são o nosso relógio, em contagem decrescente digo eu. os mais novos são-no em contagem crescente. e nós, sem eles, como que nos julgamos eternamente no tempo zero, antes do disparo da partida. doi um pouco, às vezes muito, o tempo que passa.

Ana Saraiva disse...

Um viva (e um abraço!) para os adultos que assim cuidam da infância!

ana disse...

Muito bonito este texto. Muito, mesmo.

nana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
nana disse...

nimas, 21 de agosto:
http://
marulhos.blogspot.com/
2007/04/
renascida-com-ajuda-de-guillermo.html

....

enjoy.
x

CCF disse...

on-line contigo próprio!
~CC~

CCF disse...

mais importante...on-line contigo...na escuta de ti e da criança!
~CC~