A pequena criança brincava no baloiço enquanto o avô se distraia a subir ás árvores. Era teimoso que nem um burro. O ano passado tinha caído de uma macieira no pomar e partido uma clavícula porque insistia que aos setenta anos ainda era leve como um gaiato. Ao seu lado uma mulher, um pouco mais nova que ele, sorria.
- Anda cá, rapaz!
Ele deixou-se estar quieto no ramo. Nunca tinha percebido porque é que só nas extremidades a vida parece ter, na nossa mundividência, uma ideia que não massacra excessivamente a existência.
- Só se me disseres, anda cá, meu rapaz...
Ela levantou-se, rindo:
- Sabes que mais?
- Não vás...
- Não vou?! - Levantou-se.
- Não vás. Eu quero contar-te uma coisa.
Desceu da árvore sem dar por isso. E quando deu, já era tarde demais. Era sempre assim. Cediam à vez, sempre distraídos de alguma espécie de fúria, de ressentimento.
- O que é que me queres? Tu ocupas-me muito espaço.
- Senta-te.
- Olha a tua neta!
- Ela não pode ver dois velhotes a beijarem-se?
- E desde quando é que isso é a tua boca?
- Ora, também não é a tua.
- Essa piada é quase tão velha como nós. Tem juízo.
- São quase sete horas.
- Não me digas que queres ir falar disto no teu blogue?
- O meu blogue és tu.
Ele era um decano na blogosfera que entretanto já se equiparava a um pequeno jornal de província. A grande moda da altura era agora a spiritosfera, que se acedia através de uns chips, instalados directamente na zona do cortéx central e que permitia que cada um pudesse, simplesmente através do pensamento, publicar os seus pensamentos no espírito de um outro qualquer spiriters, desde que ela estivesse no mesmo planeta e requisitasse a sua mensagem. Havia modalidades de chips que já conseguiam comunicar com estações instaladas em planetas como a Lua, Marte, Plutão, Neptuno, mas eram astronomicamente caras e disponíveis apenas para as grandes vedetas da spiritosfera, que eram aquelas cujas mensagens eram requisitadas por mais pessoas. Desde o ano anterior, e como consequência do avanço exponencial da spiritosfera, que o Governo tinha decretado o fim da solidão. Tinha sido um momento muito triste, aliás, o que deu origem a imensos posts views, era assim que se chamava cada um dos pensamentos que circulavam nesta nova esfera comunicacional.
- Prova-me!
Ele calou-se, manhoso. Era mesmo isso que ele queria fazer. Prová-la, meticulosamente. O seu blogue era ela.
- Quando chegarmos a casa!
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"Garden Path in Spring 1944"
Duncan Grant 1885-1978
1 comentário:
:)
Brilhante!
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