quinta-feira, outubro 25, 2007
As imagens para as quais caminhamos
O poder das imagens, disse ele. Eu tenho uma imagem e é com ela que percebo o mundo. No outro dia o José Bragança de Miranda quando cá veio disse que se tinha apercebido que nenhuma ideia que realmente trabalhara como sua forma de pensar estava desvinculada de uma imagem que a parira. Há imagens infindas dentro de mim. E quando eu digo dentro, o que quero dizer? As imagens que pensamos, as nossas imagens estão mesmo dentro de nós? Ou estar dentro de nós é já de si uma poderosa imagem que me arrasta para uma concepção do mundo no de dentro e no de fora? Então, merda, é tudo outra e outra e outra vez, ideologia? Há uma inquietação em mim. Ía dizer dentro de mim mas travei a língua a tempo. Sei lá se é dentro de mim. É em mim. Ou melhor, é comigo, uma espécie de companhia malquista, indesejável. E o que é a inquietação? Apercebo-me de que é a incapacidade de segurar uma imagem. É como se aquele carrocel de imagens que constituem a minha percepção do mundo estivesse descontrolado e fosse incapaz de me aquietar na contemplação de uma única imagem. Abeiro-me da janela, ouço um sino, lembro-me dos meus mortos, sinto-me só, numa solidão sem fim, e apercebo-me da verdadeira crueza do que é a solidão. A solidão é já não estarem lá imagens fundamentais para a minha compreensão do mundo. Há espaços em negro e esses espaços em negro são novas imagens que se sobrepôem às daqueles a que nos deixámos afectar. E eu não quero ver esses espaços em negro. Ninguém quer ver os espaços em negro. Podemos aprender a lidar melhor com essas fantasmagorias em que se constituem os espaços outrora rodeados de corpos coloridos e sorridentes e a tua festa mas ninguém quer verdadeiramente confrontar-se com isso. E por isso a inquietação. A inquietação não é mais do que um vaivém constante e irrequieto no projector das nossas imagens interiores. Eu digo interiores e mais uma vez não sei do que falo. Sei lá se estão dentro de mim. Convencionei que aquilo que vejo de olhos fechados está dentro de mim. Sei lá. Sei lá se quando morrermos não é esse o lado de fora do mundo que habitaremos. Não sei nada, não o posso saber. Eu só sei que me habita de forma permanente esta tensão de projeccionista inquieto com as imagens que o habitam. Não são as imagens que estão dentro de mim, sou eu que estou dentro das imagens, aprisionado, amarrado, às imagens que estão comigo. Eu disse, estão comigo. São-me companhia. Eu não consigo separar-me delas e no dia em que as perder, desapareço do mundo, deixo de me reconhecer, deixo de ter profundidade. Aproximo-me da janela, apetece-me chorar. E chorar não é mais do que uma imagem. O que se passa é que me emociono. Não aguento a dor, outra imagem, claro que a aguento, nós aguentamos tudo e quando não conseguimos mais aguentar morrem-se-nos as imagens na boca e tudo pára na expressão do mundo. Abro a janela, preciso de respirar, é talvez a única coisa orgânica, não totalmente imagética, a necessidade de ar, de respirar. Já estou sentado no parapeito da janela, ainda bem que estou só, alguém que me visse veria em mim um provável salto kamikaze. Respiro fundo, cada vez mais profundamente. Aquela lua cheia transforma-se numa única e única e única imagem na minha retina. Começo a sorrir enquanto, caprichosamente, nesse momento, o disco da Elis que empanturrara a meio começa a cantar, ao vivo, em Montreax. As imagens que nos salvam, penso, em estado de comoção silenciosa. Farei da minha vida uma imagem, uma só, conseguirei fazer da minha vida uma só e única e tranquila e serena imagem?
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2 comentários:
tenho em vinil esse disco da Elis. ou melhor tenho a "imagem", pq sendo vinil não tenho como o ouvir.
gostei da ideia do "dentro" hoje poder ser o "fora" de amanhã ou depois de amanhã, ou depois de depois......
percebes agora o mail que te enviei e que ficou sem resposta? "ninguém quer viver nessa inquietação" até que a dor nos apanha:)1
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