Ano novo, casa nova. A mim as coisas, as boas e as más, acontecem-me assim, num repente. As más já se sabe, vêm sempre desprevenidas e adiantadas e inoportunas. São as boas que são o meu mistério. Já nem estou à espera delas, dou um pontapé numa pedra e de repente, do estilhaço, surge a montanha. Ontem foi com alguma comoção que, com a lanterna do telemóvel dele, fotografei aquele carreirinho de alfaces em diagonal. Já vais ser tu que as vais colher, disse-me o meu amigo. E áquela mão cheia de couves. Couves, para que quero eu couves, ainda a pensar porque raio estavam aquelas alfaces plantadas em carreirinho diagonal. E mangericão, continuou ele. No centro de um dos canteiros um pequeno lago com uma planta tropical. Essa não sei se fica, avisou ele. Sentei-me no banco de pedra encrustado no muro. Do outro lado o casario até ao rio, a ponte Vasco da Gama, a outra margem do Tejo. Lá em cima, no alto do seu arranha-céus, a Quimera, surpreendida por uma vizinhança cada vez mais próxima. Comecei a imaginar o Pedro a correr no quintal, a poder cuidar de algum bicharoco, a ser responsável por ele, tal como eu, na minha infância. Crescemos melhor assim, com espaço para os lados, para a frente. E imaginei-nos a nós, ao cheiro do teu café forte matinal na mesa do jardim, o pão fresco, o jornal da manhã, os dias preguiçosos a enrolarem-se por nós a dentro. Não me importo com o que venha a seguir. Quer dizer, importo-me, gostava que fossemos eternos e eternos nesta ternura, nesta alegria. Contento-me porém com esta ideia que és eterna dentro de mim. Que perdura a festa, a alegria, que como uma semente, me tornou num campo fértil de vontades, de risos. Cada vez me parece mais que nós, os humanos, tal como os camelos, temos uma espécie de bolsas onde armazenamos reservas de felicidade, acumuladas nos dias de fortuna, para podermos conviver com os dias mais aziagos.
1 comentário:
Ámen.
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