domingo, fevereiro 17, 2008

12 palavras a sério

Também não sou nem muito adepto de correntes, nem muito pontual a responder-lhes, mas com um desafio da Dona Ester não me fico. As minhas doze palavras preferidas. Há cabeça,
1. esparramanço. Ouvi-a uma vez ao JPH, para falar do seu estado depois de dar o leite ao seu filho, esparramado no sofá da sala, e adoptei-o.
2. escurifica. escurecer em crioulo. Gosto da poesia destas palavras em movimento.
3. o palato. Há um céu na boca e a boca é o quê? Nunca sei. É um lugar nosso. Gosto desta palavra redonda que coloca a anatomia tão próxima da astronomia.
4. enamoramento. Aprecio a palavra, o que ela diz, o que ela não diz. Muitas vezes o confundi - na essencialidade com que o encontro na minha vida - com paixão, com amor. É isso e ainda mais. É tudo o que sobra quando a paixão, o amor, menos a vida, se acabam.
5. inclinação. comecei a gostar desta palavra numa aula de teatro-dança. Naquele caso era o corpo-físico que pendia, que se inclinava para o chão, testando o equilibrio dos factores. Depois comecei a perceber-me eu próprio enquanto objecto de inclinação. Inclinar-me para alguém, para um sentimento, para uma ideia. A ideia de inclinação como movimento para o outro parece-me sublime.
6. cona. gosto da palavra cona. as minhas noites de sexo começavam sempre por uma hesitação: eu ficava sempre sem saber como representar o sexo da minha parceira. Eu comecei por dizer vagina. E depois o sexo. Cona parecia-me reles, ordinário, vulgar. Mas depois, com alguma bravata comecei a gostar de a dizer. Habituei-me. E habituei-me tanto que comecei a achá-la uma palavra macia. E comecei a gostar de a sussurar. Quase a medo. -O que é que disseste? O teu sexo, respondo. Nunca seria capaz de dizer de uma forma audível, a tua cona.
7. tesão. Gosto da palavra tesão com acento brasileiro na intenção. Tesão pela vida.
8. teatro. É sinónimo de magia, mistério, revelação. Há mais de trinta anos.
9. bailar. é um étimo atómico, nuclear. bailar, bailador, baile, é uma família que agita cada célula do meu corpo. Tem muito do que já disse. Tesão, inclinação, enamoramento.
10. silêncio. é uma palavra, jóia, pedra-preciosa, rara. O que a linguagem tem de mais enternecedor: o falar-se pelos espaços que habitam entre o que dizemos.
11. metáfora. Aprecio o trabalho das metáforas. A forma como transportam para além das suas palavras e significados, outras ideias, outras palavras e outros significados. Não é só a literatura, a expressão que deixariam de existir sem essa generosidade, esse altruísmo de algumas das palavras que se deixam ser outras coisas para fazer avançar o carrocel do linguarejar. Era a nossa própria vida, pelo menos da forma como a aprendemos a citar.
12. árvore. Um dia, num exercício no curso da Comuna ácerca de mim alguém escreveu numa folha, árvore. Era inusitado. As mulheres mais impacientes escreviam puto, inexperiente, para festejarem os meus dezoito anos ainda à espera de tudo. E de repente havia aquela palavra enigmática, nem macho nem fêmea. Não descansei enquanto não descobri de quem era e o que queira dizer. Imagino-te árvore porque és alto, estás a crescer e tens os pés vincados na terra, disse-me ele. Desde esse dia adoptei-a para para substituir a palavra filiação, o meu pai, a minha mãe, os meus irmãos, o meu filho. E por vezes, quando os pés me tremem, penso, vou ter com a minha árvore.
E passo este desafio ao Luís da Natureza, ao Eduardo do Absorto (com o pedido de desculpa por ter rompido há tempos uma corrente), à Mónica e à Helena da Linha, à Ámelie de Ninguna Parte, ao Apicultor da Ilustração do Vazio, à Cláudia do Blue Molleskin, à Carla da Ardósia, à Navegadora de Ser aos Pedaços, à Carla de Elsinore, à Elisa de Bebedeiras de Jazz e ao Xai Xai da Olivesaria (links nos blogues de todos os dias).

6 comentários:

jpt disse...

olha, afinal já responderas ... cheguei atrasado então

Helena (em stª Apolónia) disse...

obrigado, Joaquim... nem sou dada a correntes mas este desafio soube-me bem, veio mesmo de encontro à chuva... tento logo, depois de desabitar a casa das cinco crianças que a e me devoram...

Alexandre disse...

também me debati com o ponto 6 exactamente da mesma forma e a solução que encontrei foi exactamente a mesma: as coisas são como são.

D. Ester disse...

esparramado também gosto muito. esparramada na ronha e a fazer marmelada depois de ter estado a dançar. Divino.

Mónica (em Campanhã) disse...

ainda não respondi mas não desisti

CCF disse...

Não sei se vou a tempo e também não sou muito dada a estas coisas, mas este desafio é interessante, pode ser...que os doze riscos se façam na ardósia.
abraço
~CC~