quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Sexo na cidade

Ontem, enquanto esperava que o Zé Boavida acabasse o ensaio de "O Binóculo", de Manuel Lorenzo, decano da dramaturgia galega, passei os olhos pela Time Out que estava em cima da mesa. Foram-se ao sexo, e como é timbre da revista, investiram no tema sem tabús (ou pelo menos, com aquela preocupação de desmontarem os tabús habituais o que já é tarefa façanhuda). Sei que estava interessante porque o ensaio acabou, o Zé Boavida entrou e voltou a entrar e a entrar e teve de, já com alguma impaciência, perguntar-me: é pá mas tu afinal vieste para jantar comigo ou para leres a time out à borla? E lá deixei a revista, também já ía para o cartaz, ficou-me um sabor doce no palato ao lembrar-me da reportagem sobre os vidros embaciados. O sexo dentro de um carro, seja num drive-in, numa falésia, num parque de estacionamento, à porta de uma discoteca, à beira rio é um clássico, é incómodo, provoca lombalgias e equimoses diversas mas nem mesmo assim perde o encanto, o charme. É claro que duvido que alguém consiga ler os textos da time out sem se sentir desafiado a prolongá-los com a sua própria história, sobre os sitios mais incríveis ou as situações mais quentes em que fez amor. A mim aconteceu-me. Revi um por um os lugares mais inesperados. Com alguma sensação de desconforto por verificar que o mais importante não era a memória de quem estava comigo mas mesmo o da circunstância, do lugar. Aquela noite de breu na Costa da Caparica com o resto do grupo a menos de quinze metros, as mulheres dos pescadores com uma fogueira enquanto esperavam os barcos, e aquela ideia cómica - que ao contrário de todas as ideias que geralmente nos assolam nestas alturas não me atrapalhou - de que se um grão de areia penetrasse no sexo da minha companheira ela poderia fecundar uma pérola. Aquela corrida intempestiva pelas ruas de uma cidade de provincia para nos enfiarmos no quarto da residencial. A primeira vez, a desgraçada e frustrante primeira vez num acampamento naquela vila alentejana onde o teatro ía todos os anos. Ou aquela cama rangente, pungente... e em cacos, num hotel de uma cidade do interior. Ou aquela tempestade de neve. A paragem de autocarro do Arco do Cego, sempre no fim de todas as linhas, nas desoras dos tardios regressos a casa. São tão antigos e primeiros, estes lugares insólitos. E no fim, mas no topo de todos os lugares, o iniciático. A praça central dos Restauradores, quase sempre vazia, onde depois de comprar a revista Luxúria num quiosque em frente ao Condes, e com o bolso já devidamente maquinado com um buracão que dava para meter os dois dedos indispensáveis à prática, aquele adolescente de treze anos, com um calor súbito que lhe subia ao peito, esgarçava a primeira sarapitola.

2 comentários:

Mónica (em Campanhã) disse...

eu também me lembro sempre mais a envolvente do que do resto

Sara disse...

Tão emocionantes e impossíveis de se parar de ler, como a Time Out, são as suas histórias!