quarta-feira, março 19, 2008

Dia do Pai

Calhou hoje. De manhã em vez de colocar os ténis calcei os sapatos e pensei, é hoje que vou experimentar aquela engraxadoria do Chiado. O homem ia almoçar mas mandou-me sentar, cliente novo não se despreza assim. Pego no jornal e confiro a data. É de hoje.
- Dia do pai. - disse ele.
Não mais olhei para o jornal. Atirou-me com a sua história. Que o dia não lhe dizia nada porque já não tenho o meu rico pai comigo e porque a mulher que me fez pai era uma tão grande vaca que só de me lembrar disso fico doente. Que ela lhe tinha negado o contacto com a criança, que durante vinte anos lhe tinha dado três contos de rei, riu ao confidenciar que se tinha desempregado para não ter de pagar uma pipa de massa àquela p., encheu o peito de valente ao contar que o advogado que lhe tinha perdido a causa porque faltara ao julgamento lhe devolveu, tostão por tostão, tudo o que ele lhe pagara, falou mil e uma vezes da mulher, que a filha agora quisera ir viver com ele mas que ele lhe dissera que não, que ela é tão má como a mãe que até já se mete dentro dos carros ali no pulmão da cidade, que ele nem sabia se era o pai, o senhor sabe, aquela coisa das análises deu mais de cinquenta por cento mas mais de cinquenta não é cem e um tipo fica sempre na dúvida não é, a p. f. com todos os tipos da rua, contou-me a história, a sua história, como se a cadeira daquela engraxadoria fosse um blogue intimo. E eu a olhar para os sapatos e a pensar, nunca mais chega ao fim, hoje não me apetece a miséria alheia, tive o meu príncipe ao telefone, está longe, pai, eu tenho uma prenda para lhe dar na próxima vez que tiver com o pai, há sete anos que este dia também é meu, a minha festa.

1 comentário:

Doramar disse...

Gosto de contos do alheio e de histórias de rua. Ainda bem que não calçaste os ténis :)