sábado, março 22, 2008

O quebrar dos elos

"É agora um tempo em que se descosem laços muito antigos ou mais recentes, mas em que duas pessoas que estavam juntas parecem nada mais encontrar para assim se manter. São separações de amigos ou de família, gente próxima. Da dor deles há um eco na nossa pele. (..../...)Ultimamente já não consigo, já não consigo sequer telefonar e dizer: independentemente da vossa separação, sabes que podes contar comigo. Não é que tenha deixado de o sentir, sei simplesmente que não será assim. Sei que quem se separa não é só daquela pessoa que se separa mas do mundo inteiro que a acompanhava e que restam, nos casos em que existem, apenas os filhos. "1
Ela escreve sobre as separações. E eu fico ali a projectar-me, como num pequeno carrocel de imagens, um caleidoscópio onde revejo a minha vida. Sou eu agora o sujeito. Já me habituei demais a morrer para um afecto que desapareceu, que se extingiu, que não teve como nem porquê, que já entendo esse fechar e abrir de portas como aquele retomar da seiva no corpo ferido pela intempérie. Não tenho em relação a isso especiais dores, nem mesmo as que causei, que são, no individuo adulto, as que mais ferem. Mas há qualquer coisa em mim que não sabe como dizer. São os mundos que envolvem um afecto. Desde a família, aos amigos. Lembro-me da primeira vez que ganhei um sogro a sério. Olhei para ele como se fosse um pai diferente. Gostava de jogar com ele às damas, ou à bisca, gostava de saber que o desconcertava porque eu não era nada do que ele imaginava para a sua filha. Mas fez peito forte, um valente, e, durante uns bons dez anos, aguentou comigo sem pestanejar. Como não tinhamos tido filhos feitas as contas do espólio comum, a porta ficou naturalmente fechada. Nunca mais estive com ele e isso dá conta também da falta que nos fazíamos. Mas havia mais, havia as crianças. Quando me separei a mais velha delas devia andar pelos oito anos. No outro dia cruzei-me com elas. Têm hoje dezoito, quinze anos. Sorrimo-nos, da minha parte um sorriso amargo. Com as crianças é mais cruel o quebrar dos elos. Por razões que não interessam, e também por aquele crónico desleixo próprio da vida de todos os dias, tão farta no descuido os afectos, das ligações, o corte com eles foi abrupto. Perdi assim uma parte de mundo que eu semeara com algum cuidado. E nunca mais me soube entregar assim. Sempre que entrava na vida de alguém e ouvia risos de crianças na sala, desviava o olhar, fechava-me na minha pequenina caixinha de dor.
1 na Ardósia Azul

1 comentário:

CCF disse...

Enriqueceste ainda mais o que eu pensava e sentia. Gracias :)