quinta-feira, abril 17, 2008

O mundo enquanto ideologia

Às vezes dá-me para parar e observar o lento e depurado trabalho ideológico com que fui nado e criado. Isso já foi festa, há muitos anos. Faz agora em Abril anos disso, isso que já nem sei bem o que é, o que foi, o que será. É, na sua intemporalidade exuberante, uma canção. Desta ainda me lembro. A canção perdura para além do cansaço, ouço a voz do bardo, sempre que Abril por aqui passar dou-lhe esta viola para o ajudar. A ideologia cansou-nos. E talvez não tenha sido a ideologia, talvez tenha sido o veículo que a transporta, a linguagem. A linguagem cansa. Mesmo que escrevamos devagar tentando insuflar de ar os nomes. É um circulo sem fim, o da linguagem que cansa. Não consigo tentar compreender o mundo hoje sem voltar ao tema da ideologia. Só depois virá a política. Olho para estes tempos do capitalismo agonizante, que estrebucha e que custa a morrer. Quanto mais ele demorar a morrer maior o estertor, mais profundas as ruínas no nosso modo de vivermos. O trabalho especulativo que o capitalismo (nestes tempos ouvir falar em sociedade de mercado é perceber a falácia com que o capitalismo se soube apresentar para durar mais nas nossas consciências tranquilas) faz para esconder a grangrena que o tolda, é um espectáculo para tolos. As traves mestras já foram dissecadas até à exaustão: a mais valia financeira obtida pelo trabalho assente na exploração do humano pelo humano. Não nos deixemos enternecer pelo deprimente e angustiante espectáculo das taxas de juro, da especulação em torno do preço dos barris de petróleo. As nossas vidas estão a encontrar outro equilibrio. O mais angustiante do futuro será ainda o presente.

3 comentários:

Doramar disse...

Sinto isso que dizes. Sobretudo pela ausência do idealismo humanístico, puro, altruísta, construtivo, aquele que professa uma dedicação exclusiva aos interesses da humanidade. E isso independe e antecede qualquer outro "ismo" que reveste as ideologias políticas.
Somos educados a pensar e a trabalhar não no próximo e para uma colectividade, mas em nós mesmos, para a nossa satisfação, usando a concorrência, a competição e tantas outras traves, que nos impedem de crescer para fora, nos desumanizam e, consequentemente, desumanizam a sociedade. Há que fazer a mudança a partir de dentro, de cada um de nós, para que se repercuta exteriormente. E é isto que é complexo e moroso, mesmo quando temos consciência desta necessidade.

Isabela Figueiredo disse...

Sou pessimista, Quim, não vejo o capitalismo a morrer, pelo contrário. Continuo a vê-lo matar, mas depois paga umas bulas às instituições certas, para alijar culpas que não se podem alijar. Sou cada vez mais anarquista. Deixa-me dizer a palavra certa. Cada vez mais terrorista, vocábulo a que deves excluir a sua faceta de destruição civil. Antigamente era apenas idealista. Agora queria aterrorizar os sistema, fazê-lo explodir. Odeio o sistema. De morte.

Cristina Gomes da Silva disse...

Não sei se é o "ar do tempo" mas também me sinto tão impotente e incapaz de mudanças. É então que um vazio se instala. Sem lutas, sem ideais, sem acção conjunta, sem remorso, que havemos de fazer? Estaria mais de acordo com a Navegadora, mudar por dentro, mas seremos só nós, connosco próprios. Mesmo mudados por dentro diluímo-nos na massa. Umas "bombinhas" de vez em quando, uns abanões que nos acordem da dormência em que nos temos deixado ficar, umas "bocas terroristas", como as da Isabela, talvez tenham algum efeito. Abraços para aí