A paisagem saloia é a menina dos meus olhos. Sou daqui, deste verde raso, temperado pelo castanho da terra, intervalado pelo amarelado dos pastos, salpicado pelo colorido dos pomares, nestes pequenos montes de casas dispersas. Aproveito um momento que estou sozinho para me ligar ao mundo da internet que é tão fora do lugar do mundo que este sitio é. Daqui é o firmamento recheado na noite, ontem Jupitér, Neptuno, Saturno de madrugada. As visitas a desoras a casa dos amigos, os cães cá fora, no relvado, a lamberem-nos os pés, a conversa espaçada, o tempo. Na escuridão da noite o horizonte largo em frente. As vozes das crianças que conversam junto à piscina, enquanto os mais velhos, já adolescentes, dentro da casa ouvem-se acordes roubados a uma guitarra. São breves estes momentos de fuga, o pretexto dos emails, dos trabalhos que se trazem sempre dentro da mochila de viagem. Dou um salto para ler as notícias sobre o Carlos Fragateiro. Todos os que me conhecem mais de perto sabem que o distanciamento que nos últimos anos tenho tido da sua actividade de gestor teatral corre a par com a amizade que lhe tenho. E, independentemente das razões que acodem ao ministro ou ao director exonerado, e de toda a legitimidade política que o primeiro tem para dispensar o segundo, este é, para mim, o melhor Fragateiro. O que se indigna, o que na sua indignação não aceita que um tipo por ser ministro lhe falte ao respeito. E o que é solidário com a indignação alheia. Há semanas, quando esta crise começou, pensei que Fragateiro não teria razões de queixa, que este ministro iria fazer a mesma coisa que Isabel Pires de Lima fez com António Lagarto. Mas não. Lagarto deu todos os pretextos ao Ministério da Cultura ao fazer orelhas moucas à tutela. Definitivamente não sou deste tipo de exercício do poder. Tenho-me como um mau líder, fui três vezes chefe, uma oficialmente e duas oficiosas e percebi que preciso de tantas condições especiais para me sentir confortável na minha pele que é melhor deixar essa tarefa do mando para quem a ela melhor se adapta, o uso do mando cansa-me, mas da minha curta experiencia do exercício do poder o que retiro é a necessidade e a obrigação de nos confrontarmos permanentemente com os outros. Retomo a vida no campo. Toca a buzina do camião do pão. A vizinha de baixo traz uma saca de pano. Eu vou a correr buscar uma também. Sim, é um pão saloio dos grandes. Já depois de deixar o padeiro vejo-o a descer a rua. Para nas próximas casas. De cada um delas sai uma pessoa. Um homem da porta da direita. Um casal da porta da esquerda. Falam e conversam durante cinco minutos. Há quanto tempo isto deixou de ser assim nas cidades?, penso, enquanto me lembro de quando ainda havia, nos Olivais, o padeiro, o leiteiro. Talvez seja possível voltar a encontrar isso outra vez, no Second Live, quem sabe. Vou entreter-me com este grilo e a esta cigarra que me estão aqui a desafiar para e já volto.
1 comentário:
Gostei de te ler aqui neste poste Q... Ès tu... como te conheço !
Abraço amigo !
Zé Marto
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